A
Mulher que Amou Jesus
«(…)
O Sol foi descendo no céu até ficar quase no horizonte, lançando sobre o acampamento
sombras coloridas das árvores e dos camelos próximos. A fumaça das várias
fogueiras levantou-se, projectando nuvens igualmente coloridas e a paisagem
tornou-se uma espécie de névoa violeta. Está quase tudo pronto, disse a
Maria mais velha, com um suspiro de alívio e satisfação. Colocou alguns pães
para assar no forno, retirando dois que já estavam prontos. Colocou-os ao lado,
para esfriarem e o seu cheiro espalhou-se pelo ar. Rute e Lia haviam
transferido o feijão para tigelas de cerâmica, que dispuseram sobre a coberta
onde a comida seria servida. As duas lamparinas do Sabá também foram colocadas
ao lado da coberta. Os meninos trouxeram um odre com vinho, e as suas irmãs, as
taças; queijo de cabra, peixe seco, amêndoas e figos foram dispostos sobre um
pano. O Sol chegara ao horizonte. O que ficara faltando, teria que ser feito
rapidamente, ou esquecido. As cordas das barracas estavam firmes? Durante o Sabá
não se podiam atar nós. O fogão fora apagado? Não se podia cozinhar nem
esquentar comida durante o Sabá. Alguém tinha alguma coisa para escrever? Tinha
de fazê-lo rápido, não se podia escrever durante o Sabá, excepto com tinta de
sucos de frutas, ou na areia, ou com a mão esquerda, se esta não fosse a mão
que normalmente se usava para escrever.
Rapidamente, Rute penteou o
cabelo, no Sabá não era permitido pentear-se, Lia tirou as fitas do cabelo de má
vontade, os enfeites eram proibidos. Os homens tiraram as sandálias com pregos,
não eram permitidas. Jesus voltou e, rapidamente, sentou-se, tirando as suas
sandálias. Encontrou as nossas famílias?, perguntou Maria. Falou com
eles? Permitiram que ficássemos?, perguntou, sem falar. Tinha a certeza de que teria
de voltar para lá, e bem rápido, antes de o Sol se pôr. Sim, disse
Jesus. Encontrei todos. Inclinou-se para a frente, ainda sem fôlego. Quezia, a sua
família pareceu ficar contente por ter sido convidada a passar o Sabá connosco.
Olhou em volta, para Raquel e Sara. A sua família não ficou tão contente, mas
deram a sua permissão. E a sua... Olhou para Maria. Foi difícil convencê-los.
O que teria acontecido? Ela sentiu o coração disparar e ficou ouvindo. O seu
pai, Natã? E acenou para ela. Sim, respondeu ela. Ele disse que não era
certo, que não nos conhecíamos e que ele era muito rigoroso em relação a não se
misturar com famílias menos devotas. Sim. Claro, Maria sabia disso. Queria
alguma prova de que éramos respeitáveis. E como, como é que o poderia saber? Fez
um teste comigo. Jesus riu, achando que fora mais uma diversão que um insulto. Quis
saber os meus conhecimentos das escrituras, como se isso revelasse as minhas
insuficiências.
Aí, foi a vez de sua mãe dar uma
gargalhada. O teste errado!, disse, balançando a cabeça. Os rabinos de
Jerusalém já sabem disso. E voltou-se para as convidadas. No ano passado, Jesus
ficou para trás, em Jerusalém, discutindo alguns aspectos das escrituras com os
escribas e os rabinos do Templo. Entendo a preocupação dos seus pais, de uma
filha ficar com outras pessoas, Maria, mas ninguém ganha uma competição sobre
as escrituras com Jesus. Jesus meneou a cabeça. Não foi uma competição, disse.
Ele só me perguntou sobre alguns textos... E deu de ombros. Todos se juntaram
em torno da coberta, embora ainda sobrassem alguns raios de sol. Rute
abaixou-se e acendeu as lamparinas do Sabá, com o cabelo enrolado em volta da
cabeça. Calmamente, observaram o pôr-do-sol. Maria lembrava-se de que o fazia
semanalmente quando estava em casa, mas esta era a sua primeira experiência de
passar o Sabá com uma família que não era a sua. Em casa, sempre havia uma
expectativa, uma ansiedade pela chegada do Sabá. E quando chegava..., é,
parecia diferente, desta vez. Quase mágico. Podia dizer para si própria: este é
o pão do Sabá, esta é a água do Sabá, esta é a luz do Sabá.
De algum lugar do acampamento
soaram duas notas de uma trombeta, repetidas por três vezes. Assinalava o início
do Sabá, o entardecer entre o surgimento da primeira e da terceira estrela no céu
ainda claro. Segundo a tradição, as primeiras duas notas avisavam quem estava
trabalhando para que parasse de o fazer; as duas segundas preveniam os
mercadores para que terminassem os seus negócios; e as terceiras, para avisar
que chegara a hora das luzes do Sabá. O Sabá começara a iluminar, dizia-se. Maria,
a mãe, aproximou-se das lamparinas para fazer a prece. Abençoado seja o Senhor
nosso Deus, Rei do Universo, que santificou os dez mandamentos e nos mandou
acender a lamparina do Sabá. Sua voz, baixa e agradável, fazia que as palavras
parecessem mais ricas. Todos se acomodaram junto à coberta. O céu escurecia
rapidamente e a luz das lamparinas se tornava cada vez mais clara; havia outras
lamparinas, colocadas do lado de fora da barraca. Exceptuando um ou outro mugido
ou balido de algum animal, parecia que um leve sopro estava suspenso no ar». In
Margaret George, A Paixão de Maria Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições
Fio de Navalha, 2005, ISBN 972-883-911-1.
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