quarta-feira, 20 de junho de 2018

Filhas da Tempestade. Philippa Gregory. «Isolde já se tinha recomposto quando o irmão Peter finalmente a contemplou. Continuou de olhos baixos, com o cuidado de não mirar Luca»

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«(…) O velho não se dignou responder ao criado. Com o grupinho expectante, quebrou os lacres em silêncio e desdobrou um papel cheio de goma. Leu, e eles viram-no soltar um suspiro de desapontamento. Voltar a Roma, não! Pediu Freize, que não aguentava nem mais um momento de espera. Diga-me que não temos de dar meia volta e regressar à vida antiga! Freize viu o olhar divertido de Ishraq. A inquirição é um dever difícil, corrigiu-se ele a tempo, mas eu não quero deixá-la incompleta. Tenho o sentido do dever, das minhas obrigações. Tu preferes qualquer coisa a voltar ao mosteiro e a ser moço de cozinha, disse ela, e não se enganava. Tal como eu prefiro estar aqui a servir de aia num castelo isolado. Pelo menos, estamos livres, e a cada dia acordamos a saber que qualquer coisa pode acontecer. Devo lembrar-lhes de que não viajamos por lazer, disse o irmão Peter, muito severo, sem ligar nenhuma aos comentários deles. Temos ordens para rumarmos à vila piscatória de Piccolo, de passarmos o mar até Split e de avançarmos para Zagreb. Depois tomamos o caminho dos romeiros até às capelas de São Jorge e São Martinho, na igreja de Nossa Senhora nos arredores de Zagreb. Isolde soltou uma exclamação abafada.
Zagreb! Um pequeno gesto de Luca a estender a mão para ela, e depois a recolhê-la logo, pois lembrara-se de que não lhe devia tocar, denunciou-o também. Viajamos no caminho da Isolde, disse ele, a alegria na voz evidente para todos. Podemos continuar juntos. A centelha de concordância nos olhos azuis-escuros dela passou despercebida ao irmão Peter, absorto com as novas ordens. Devemos inquirir pelo caminho de tudo o que pareça fora do comum, leu ele. Devemos parar e montar inquirição se encontrarmos algo que indique obras de Satanás, surgimento de medos do desconhecido, provas da maldade dos homens, ou do fim dos tempos. Ele parou de ler e dobrou a carta oulra vez, a mirar os quatro jovens. Assim parece que, portanto, sendo Zagreb a caminho de Budapeste, e dado as senhoras insistirem terem de ir a Budapeste procurar o conde Ladislau, é o próprio Deus a ditar que viajemos na mesma estrada que estas jovens senhoras.
Isolde já se tinha recomposto quando o irmão Peter finalmente a contemplou. Continuou de olhos baixos, com o cuidado de não mirar Luca. Claro que ficaríamos gratas pela vossa companhia, disse ela com timidez. Mas trata-se de um caminho de romeiros. Não faltará quem siga o mesmo rumo. Podemos ficar com outras pessoas, não é preciso sermos fardo vosso. O rosto rejubilante de Luca indicava-lhe que ela não era fardo nenhum, mas o irmão Peter retorquiu, antes que mais alguém pudesse fa1ar. Certamente. O meu conselho é que, assim que encontrarem um grupo de senhoras com destino a Budapeste, se juntem a elas. Nós não podemos ser guias e guardiães vossos. Estamos ao serviço de uma grande missão; e as senhoras são jovens: por mais que tentem conduzir-se com modéstia, não podem evitar ser uma distracção e um desvio.  Salvaram-nos o rancho em Vittorito, observou Freize em voz baixa, e apontou com a cabeça para Ishraq. Ela sabe lutar e disparar uma flecha, e também sabe de curativos. Custa a encontrar alguém mais útil para companheiro de viagem. Custa a encontrar melhor camarada numa jornada perigosa.
Claramente distracções, repetiu o irmão Peter severamente. Como já disseram, elas deixam-nos quando encontrarem um grupo adequado, decretou Luca. O encanto por ficar na companhia de Isolde mais uma noite, e outra depois dessa, mesmo que fossem apenas mais algumas noites, era evidente para todos, especialmente para ela. Os olhos azuis-escuros de Isolde encontraram os olhos cor de avelã dele num olhar longo e silencioso. Nem sequer perguntas o que temos de fazer no recinto sagrado? Indagou o irmão Peter em tom de censura. Nas capelas? Nem sequer queres saber que há relatos de heresia que temos de descobrir? Com certeza que sim, disse Luca rapidamente. Deves dizer-me o que temos de ver. Eu estudarei. Terei de reflectir nisso. E criarei uma inquirição completa, e tu escreverás o relato a enviar ao mestre da nossa ordem, para o Papa ver. Faremos a nossa incumbência, como mandou o nosso mestre, o Papa e o próprio Deus. Melhor ainda, podemos comer um bom jantar em Piccolo, salientou Freize alegremente, a mirar o sol poente. E amanhã de manhã teremos tempo de nos ralarmos com o barco que nos levará à Croácia». In Philippa Gregory, Filhas da Tempestade, 2013, Topseller, 20/20 Editora, 2015, ISBN 978-989-849-173-2.

Cortesia de Topseller/20/20E/JDACT