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Traímos a nossa palavra em três meses,
expulsando os Judeus e ameaçando os Muçulmanos. Todos têm de se converter à Fé
Verdadeira e, depois, se houver alguma sombra de dúvida, ou qualquer suspeição contra
eles, a sua fé será testada pela Santa Inquisição (maldita).
É a única forma de construir uma nação: através de uma fé. É a
única forma de criar um povo a partir da grande diversidade que fora
Al-Andalus. A minha mãe mandou construir uma capela na sala do conselho e,
onde antes estava
escrito. Entrai e perguntai. Não temais procurar a justiça, porque aqui
a encontrareis, na bela escrita árabe, reza a um Deus mais inflexível e
intolerante do que Alá; e já ninguém vem aqui procurar justiça. Mas nada pode
mudar a natureza do palácio. Nem sequer o som dos pés dos nossos soldados a
marcharem sobre o chão de mármore pode ameaçar a secular sensação de paz. Pedi
a Madilla que me ensinasse o que dizem as inscrições fluidas em todas as
divisões, e a
minha preferida não é a que se refere à promessa de justiça, mas as palavras escritas no
Pátio das Duas Irmãs, que diz: alguma vez haveis observado tão belo jardim?, e depois
respondem a si mesmas: nunca vimos um jardim com tal abundância de fruta, tão
doce nem tão perfumada: não é verdadeiramente um palácio, nem sequer como
aqueles que conhecemos em Cordova ou Toledo. Não é um castelo, nem um forte.
Foi construído inicialmente e sobretudo como um jardim, com salas de um luxo
sofisticado, para que fosse possível viver ao ar livre. É uma série de pátios
concebidos tanto para flores como para pessoas. Um sonho de beleza: paredes,
azulejos, pilares fundindo-se com flores, escadas, fruta e vegetação. Os mouros
acreditam que um jardim é um paraíso na Terra e gastaram fortunas, ao longo dos
séculos para conceber este al-Yanna: a palavra que significa jardim,
lugar secreto e paraíso. Sei que o adoro. Apesar de ser uma criança, sei que
este é um local excepcional; que nunca encontrarei um lugar tão bonito. E mesmo
sendo criança, sei que não posso ficar aqui. É a vontade de Deus e a
vontade da minha mãe que eu deixe al-Yanna, o meu lugar secreto, o meu jardim,
o meu paraíso. Seria meu destino encontrar o lugar mais belo do mundo inteiro
quando tenho apenas seis anos, e, depois, deixá-lo quando tivesse quinze; com
tantas saudades de casa como Boabdil; como se a felicidade e a
paz não passassem de um breve período na minha
vida.
Palácio
de Dogmersfield. Hampshire. Outono de 1501
Estou a dizer-vos que não podeis entrar! Mesmo que fosseis o Rei da
Inglaterra em pessoa, não poderíeis entrar. Eu sou o Rei da Inglaterra, afirmou Henrique Tudor, pouco
contente. E ou ela sai imediatamente, ou eu entro e o meu filho entra a seguir.
A Infanta já avisou o rei de que não pode vê-lo, disse a aia secamente. Os
nobres da sua corte foram ter com o rei para lhe explicar que ela se encontra
em reclusão, como senhora da Espanha. Achais que o rei da Inglaterra cavalgaria
pela rua abaixo, quando a Infanta se recusou a recebê-lo? Que tipo de homem
pensais que ele é? Exactamente como este, afirmou e lançou o punho com o enorme
anel de ouro na direcção do seu rosto. O conde de Cabra entrou no vestíbulo apressado,
reconhecendo imediatamente o homem magro de quarenta anos que estava a ameaçar
a aia da Infanta com um punho cerrado, com alguns empregados assustados e
gritou: o rei!
Ao mesmo tempo, a aia reconheceu a nova insígnia da Inglaterra, as rosas
combinadas de York e Lancaster, e retraiu-se. O conde deteve-se e fez uma
grande vénia. É o rei, sussurrou, com a voz abafada por estar a falar com a
cabeça entre as pernas. A aia soltou um suspiro de horror e mergulhou numa
profunda reverência. Levantai-vos, disse o rei bruscamente. E ide buscá-la. Mas
ela é a Princesa da Espanha. Nossa Graça, respondeu a mulher levantando-se, mas
com a cabeça ainda inclinada. Deve permanecer em reclusão. Não pode ser vista
por vós antes do dia do casamento. É a tradição. Os seus nobres foram
explicar-vos... É a vossa tradição.
Não é a minha tradição.
E uma vez que ela é minha nora no meu país, sob as minhas leis, vai obedecer à
minha tradição. Ela recebeu uma educação bastante cuidada, modesta e adequada...
Então, vai ficar muito chocada quando encontrar um homem furioso no quarto.
Minha senhora, sugiro-vos que a tragais aqui imediatamente. Não o farei. Vossa
Graça. Eu recebo ordens da própria rainha da Espanha, e ela encarregou-me de me
certificar de que era prestado todo o respeito à Infanta e de que o seu
comportamento era sempre...» In Philippa Gregory, Catarina de Aragão,
A Princesa Determinada, Livraria Civilização Editora, 2006, ISBN
978-972-262-455-8.
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