«(…) A sede do Instituto para as
Obras de Religião encontra-se no torreão de Nicolau V um búnquer com paredes de
nove metros de espessura a poucos passos da porta de Sant'Anna, no Vaticano. Naquela
noite, Luciano Spada estava pensativo, sentado à secretária num gabinete
iluminado apenas por um candeeiro de mesa. O silêncio só era interrompido pelo
tiquetaque ritmado do relógio de pêndulo e pelo eco longínquo do trânsito de
Roma. Do lado de fora da porta, estavam em permanência dois guardas suíços, mas
o resto do edifício estava meio vazio. Era presidente do IOR há quase três anos
e um dos primeiros laicos a sentar-se naquele gabinete com paredes pintadas de
vermelho-escuro e soberbas estantes de carvalho. Nascera em Lugano há sessenta
e oito anos e, na sua longa carreira no mundo das finanças, ocupara sempre
cargos de grande prestígio: chefiara, até 1986, a União de Bancos Suíços e foi
presidente do Banco de Ivrea durante quinze anos, cargo que tinha deixado há
três anos. Era presidente de duas empresas fundamentais para os negócios do
Vaticano, uma luxemburguesa e outra com sede fiscal nas ilhas Caimão, e tinha
ainda um lugar no conselho de administração de treze empresas.
Apesar da idade e das muitas
responsabilidades, não se tinha cansado do trabalho. Continuava o mesmo homem, decidido
e seguro de si. Sabia o que queria e como o obter.Certamente tinha de agradecer
ao seu pai, um imigrante italiano que, depois da segunda guerra mundial,
comprara um quiosque na suíça italiana. Tinha sempre acreditado nele e, com um
esforço inimaginável, conseguiu pagar ao filho as propinas na faculdade de
Economia da prestigiada universidade Bocconi de Milão. O Filho do Jornaleiro,
como o tinham apelidado algumas personalidades do mundo das finanças, conseguiu
subir na vida sozinho graças à sua inteligência, que todos consideravam fora do
comum.
O telefone móvel tocou apenas
duas vezes até o presidente do IOR atender. Tudo confirmado, disse alguém do
outro lado da linha. Era uma voz autoritária, e o tom deixava adivinhar um interlocutor
de idade avançada. Contudo, parecia camuflada por algum dispositivo electrónico.
Qual é o montante exacto?, perguntou. Naturalmente, já conhecia a resposta, até
porque lhe tinha sido entregue o habitual bilhete com a ordem, mas dada a
entidade era melhor certificar-se mais uma vez. Trinta e oito milhões, confirmou
a voz. Devo esperar problemas depois desta noite?, questionou Spada. Depois de
um momento de silêncio o interlocutor respondeu: não te preocupes, não sou um
cliente qualquer. Exacto. Se fosses, não me preocuparia.
Envia o pagamento e, obviamente,
terás a tua percentagem, concluiu. Luciano Spada não conseguiu responder,
porque a comunicação foi interrompida bruscamente. Já tinha entrado no jogo.
Não podia voltar atrás e, de qualquer forma, jamais poderia dizer que não. Recentemente
a imprensa tinha levantado a hipótese do seu envolvimento num negócio de
lavagem de dinheiro proveniente da ex-Jugoslávia. Apesar dos processos
judiciais que pendiam sobre si serem numerosos e heterogéneos, Luciano Spada
não tinha remorsos; mesmo que tivessem algum fundamento, não se assustava com
nada. Dizia-se que havia mais de cinco mil milhões de euros nos cofres do IOR,
mas ele sabia muito bem que aquela estimativa tinha sido feita muito por baixo.
Não se chega a presidente do IOR sem se sujar as mãos, mas esta acção era provavelmente
a maior de todas.
Em poucos minutos, em frente do
monitor plano do seu terminal, finalizou a operação que lhe tinha sido
solicitada, transferindo trinta e oito milhões de euros dos cofres do Vaticano
para quatro conta-correntes espalhadas por outros tantos cantos da terra. Era
ele que geria os negócios do banco, embora formalmente o controlo da sua actividade
estivesse entregue a um colégio cardinalício, presidido pelo secretário de
Estado do Vaticano, o cardeal argentino Eduardo Rodrigo Jimenez. Com toda a
probabilidade, o cardeal, devido aos seus muitos afazeres, nem sequer tinha
lido o relatório anual, pelo que certamente não criaria problemas.
Terminada a operação, repetiu-a
do início, desta vez transferindo um valor um pouco inferior a dois milhões de euros
directamente para uma conta privada em seu nome. Não estava a roubar aquele
dinheiro, e com isso concordava também a pessoa com quem tinha acabado de falar
ao telefone móvel: tratava-se apenas da compensação por um serviço prestado. Spada
saiu da sede do IOR pouco depois das dez horas noite, logo após um último
telefonema, mais contente e um pouco mais rico». In GL Barone, Conspiração no
Vaticano, 2013, Casa das Letras, 2013, ISBN 978-972-462-197-5.
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