«(…) As
festividades dos povos antigos da região, ele explicou, ainda perdido nas suas
anotações mentais. Hogmanay, ou seja, o Ano Novo, o Midsummer Day, que é o
solstício de Verão, o Beltane, festival da Primavera, e o Ali Hallows, que
corresponde ao nosso Halloween. Os druidas, os beakers da Idade da Pedra e os
antigos pictos, todos celebravam as festas dos fogos e as festas do sol, pelo
que sabemos. De qualquer modo, os fantasmas estão à solta nos dias sagrados e
podem ficar vagando por aí como quiserem, fazer o bem ou o mal, de acordo com
sua vontade. Esfregou o queixo pensativamente. Estamos nos aproximando do Beltane,
perto do equinócio da Primavera. É melhor ficar de olho da próxima vez que
passar pelo pátio da igreja. Ele pestanejou e eu percebi que saíra do transe. Dei
uma risada. Então, há muitos fantasmas locais famosos? Deu de ombros. Não sei.
Vamos perguntar ao vigário da próxima vez que o virmos? De facto, encontramos o
vigário pouco tempo depois. Estava no pub, juntamente com os demais habitantes
do vilarejo, tomando uma cerveja leve e clara em comemoração à nova
santificação das casas. Pareceu um pouco envergonhado ao ser descoberto
acobertando actos de paganismo, por assim dizer, mas minimizou o facto como
sendo apenas um costume local com conotação histórica.
Na
verdade, é bem fascinante, sabe, confidenciou e reconheci, com um suspiro, o
canto de um estudioso, um som tão característico quanto o trinado de um melro.
Atendendo ao chamado de um espírito iluminado, Frank imediatamente entrou na
dança de pares da academia e logo estavam mergulhados até ao pescoço em
arquétipos e comparações entre superstições antigas e religiões modernas.
Encolhi os ombros e abri o meu próprio caminho pela multidão até ao bar e de
volta, com um brandy-and-splash em cada mão. Sabendo por experiência o quanto
era difícil desviar a atenção de Frank desse tipo de discussão, simplesmente
peguei a sua mão, envolvi os seus dedos em torno da haste da taça e deixei-o
entregue aos seus próprios interesses. Encontrei a sra. Baird num banco fundo
junto à janela, compartilhando uma amigável jarra de cerveja preta com um senhor
idoso que ela me apresentou como o sr. Crook. É o senhor de quem lhe falei,
sra. Randall, disse ela, os olhos brilhantes com o estímulo do álcool e da
companhia. O que conhece plantas de todas as espécies. A sra. Randall
interessa-se muito por plantas, confidenciou ao seu acompanhante, que inclinou
a cabeça numa mistura de educação e surdez. Prensa-as nos livros e tudo o mais.
É mesmo?, perguntou o sr. Crook, o tufo branco de sobrancelha erguido em sinal
de interesse. Tenho algumas prensas, as verdadeiras, veja bem, para ervas e
similares. Ganhei-as do meu sobrinho, quando veio da universidade passar as
férias. Ele as trouxe para mim e não tive coragem de dizer-lhe que nunca uso
coisas desse tipo. Deixá-las penduradas é o melhor para as ervas, sabe, ou
talvez secá-las num estrado, dentro de um saco de gaze ou num pote, mas por que
iria querer esmagar as plantinhas até ficarem achatadas eu não faço a menor
idéia. - Bem, para olhá-las, talvez, a sra. Baird intercedeu afavelmente. A
sra. Randall fez lindos arranjos com botões de malva e violetas, que se pode
emoldurar e pendurar na parede.
Hum. Diante
dessa sugestão, o rosto sulcado do sr. Crook pareceu estar admitindo uma
duvidosa possibilidade. Bem, se tiverem alguma utilidade para a senhora, pode
ficar com as prensas, de bom grado. Eu não queria jogá-las fora, mas confesso
que não tenho nenhuma utilidade para elas. Assegurei ao sr. Crook que eu
ficaria encantada em usar prensas de plantas e mais encantada ainda se ele me
mostrasse onde algumas das plantas mais raras da região poderiam ser
encontradas. Fitou-me incisivamente por um instante, a cabeça inclinada para o
lado como um velho falcão, mas finalmente pareceu decidir que meu interesse era
genuíno. Combinámos que eu deveria encontrá-lo pela manhã para uma excursão aos
arbustos locais. Frank, eu sabia, pretendia passar o dia em Inverness para
consultar uns registos na biblioteca de lá e eu fiquei satisfeita de ter uma
desculpa para não acompanhá-lo. Para mim, os registos eram todos iguais.
Pouco
depois, Frank conseguiu desgrudar-se do vigário e caminhamos de volta para casa
na companhia da sra. Baird. Eu mesma hesitei em mencionar o sangue de galo na
soleira da porta, mas Frank não sofria de tal acanhamento e interrogou-a
avidamente sobre as origens do costume. Suponho, então, que seja muito antigo,
não?, perguntou, agitando uma vara pelos arbustos ao longo da calçada. O
quenopódio e a cinco-em-rama já estavam florescendo e eu podia ver os botões
das giestas-das-vassouras avolumando-se; mais uma semana e estariam floridos. Ah,
sim. Gingando, a sra. Baird acompanhava-nos a passos rápidos. Mais velho, do
que podemos imaginar, sr. Randall. Anterior à época dos gigantes. Gigantes?,
perguntei. Sim. Fionn e Feinn. Contos folclóricos gaélicos, Frank observou com
interesse. Heróis, sabe. Provavelmente de origem nórdica. Há muita influência
nórdica por aqui e ao longo de toda a costa oeste. Alguns nomes dos locais são
escandinavos, e não gaélicos». In Diana Gabaldon, Nas Asas do Tempo, 1991, Casa das Letras, LeYa, 2010, 2016,
ISBN 978-972-461-974-3.
Cortesia das
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