O Assalto
«(…) O homem que se fazia passar
pelo professor Neville Manchin chegou a Princeton num bonito dia de Outono, no
início de Outubro. Foi encaminhado para o Departamento de Livros Raros e colecções
Especiais, onde conheceu Ed Folk, que o passou depois para outro bibliotecário
assistente, que examinou e fotocopiou a sua carta de condução do Oregon. É
claro que era uma falsificação, mas perfeita. O falsificador, que era também o
pirata informático, tinha sido treinado pela CIA e tinha uma longa história no
mundo obscuro da espionagem privada. Romper a pouca segurança do campus não era
propriamente um grande desafio. O professor Manchin foi depois fotografado e
deram-lhe um cartão de identificação que tinha de estar visível o tempo todo.
Seguiu o bibliotecário assistente até ao segundo piso e entrou numa grande sala
com duas mesas compridas e paredes forradas com gavetas de aço retráteis, todas
elas fechadas à chave. Manchin identificou pelo menos quatro câmaras de
vigilância aos cantos, junto ao tecto, câmaras que estavam ali para serem vistas.
Desconfiava que houvesse outras, bem escondidas. Tentou conversar com o
bibliotecário assistente, mas não conseguiu grande coisa. Perguntou em tom de brincadeira
se podia ver o manuscrito original de This Side of Paradise. O
bibliotecário assistente esboçou um sorriso presunçoso e disse que não seria
possível. Alguma vez viu os originais?, perguntou Manchin. Uma única vez.
Seguiu-se uma pausa enquanto
Manchin esperava por mais informação, mas acabou por perguntar: e qual foi a
ocasião? Bem, um académico famoso gostava de vê-los. Acompanhámo-lo até ao
cofre-forte e deixámo-lo dar uma vista de olhos. Mas não tocou nos papéis. Só o
bibliotecário-chefe está autorizado a fazê-lo, e apenas com luvas especiais.
Claro. Bem, vamos ao trabalho. O
assistente abriu duas das grandes gavetas, ambas etiquetadas com o nome This
Side of Paradise, e retirou uns cadernos volumosos e muito grandes. Aqui
estão as críticas que o livro recebeu quando foi publicado, disse ele. Temos
muitas outras amostras de críticas posteriores. Perfeito, disse Manchin com um
sorriso. Abriu a sua pasta, tirou um bloco de notas e mostrou-se pronto para
atacar todo o material disposto sobre a mesa. Meia hora mais tarde, com Manchin
embrenhado no seu trabalho, o bibliotecário assistente pediu licença e desapareceu.
Manchin nunca olhou para cima, por causa das câmaras. Por fim, precisou de ir à
casa de banho e saiu dali. Virou uma vez no sentido errado e voltou a fazê-lo,
perdeu-se propositadamente e foi avançando pelas Colecções, evitando o contacto
com quem quer que fosse. Havia câmaras de vigilância por todo o lado. Duvidava
que alguém estivesse naquele momento a observar as imagens, mas podiam sempre
recuperá-las, se necessário. Encontrou um elevador, evitou-o e desceu pela
escada adjacente. O piso imediatamente abaixo era semelhante ao do rés do chão.
A seguir, a escada terminava no C2 (Cave 2), onde havia uma porta grande e
maciça com os dizeres Só em caso de emergência pintados em letra
destacada. Junto à porta, havia um teclado e outra placa que alertava para o
facto de soar um alarme assim que a porta fosse aberta sem a devida autorização.
Duas câmaras de segurança vigiavam a porta e a área circundante.
Manchin recuou e regressou pelo
mesmo caminho. Quando voltou à sala de trabalho, o assistente estava à sua
espera. Está tudo bem, professor Manchin?, perguntou. Oh, sim! Receio apenas estar
com um princípio de virose. Espero que não seja nada contagioso». In
John Grisham, O Manuscrito, 2017, Bertrand Editores, 2018, ISBN
978-972-253-544-1.
Cortesia de BertrandE/JDACT