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Afonso
Henriques
Nascimento de
uma nação...
«(…) No salão do castelo reina o entusiasmo
contido pela ansiedade dos que em redor das mesas vão trincando e bebendo distraidamente,
mais interessados nas notícias que tardam em chegar do que no rico repasto. É um
pequeno grupo de convivas, poucos mais do que os que vivem na corte, apanhados
de surpresa pelos acontecimentos. Subitamente e um após outro viram a atenção para
a porta do salão, como se adivinhassem o que ninguém lhes anunciou.
E logo de seguida todos se voltam
para o alto da escadaria que domina o salão, atraídos pelo alvoroço dum pajem que
surgiu lá no alto, archote na mão e a súbita hesitação que o toma, de quem não sabe
o que fazer. Não vislumbra o conde entre os outros no salão e urge-o tanto como
o contém a premência de dar a saber a nova. Mas só a ele e a mais ninguém antes.
Entra o conde Henrique, imparável,
pelas portas no salão. O pajem decide-se, chama-o: Senhor! Senhor conde Henrique!
O conde sobe rapidamente a escadaria e alcança o pajem que ainda conseguiu descer
alguns degraus e lhe murmura fugazmente ao ouvido o suficiente para lhe dar a certeza
do que ele acalentava mas não sabia.
O conde Henrique olha o salão, inspira
e depois berra para os que ali estão, como se falasse para o Condado inteiro: ah!
Tenho um varão! Temos um varão! Tenho um herdeiro, nascido de entre nós. Responde-lhe
a euforia no salão, parece-lhe menos calorosa do que o acontecimento exige,
deve ser o seu entusiasmo que assim lhe pede da corte o que só um pai pode exprimir.
Lá em baixo bebe-se e come-se, fala-se alto como nunca. O conde ri, feliz, e vira-se e sobe os restantes
degraus em duas passadas, desaparece.
No aposento a penumbra só é rasgada
por dois tocheiros que encimam a grande cama onde uma mulher deitada entre lençóis
e peles sorri, esgotada. Uma aia limpa-lhe carinhosamente o rosto e o colo suados.
A expressão comprometida contrasta com a felicidade da mulher deitada. Tal como
a das outras duas que se atarefam a compor os lençóis e peles da cama. O som
dos passos urgentes que se aproximam no exterior atrai-lhes a atenção para a
porta e aprofunda-lhes os traços de confrangimento que dificilmente conseguem
agora disfarçar. A mulher na cama sorri, esforça-se por manter os olhos
abertos, suspensa do momento em que a porta se abrirá». In José Carlos Oliveira, D. Afonso
Henriques, O Primeiro Herói, 2016, Oficina do Livro, 2016, ISBN
978-989-741-419-0.
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