sexta-feira, 3 de agosto de 2018

O Primeiro Herói. José C. Oliveira. «Falamos da ambição, mas também da revolta, vividas por dona Teresa, mãe do nosso primeiro Rei, ante sua irmã Urraca e o defeito físico que atingiu à nascença o futuro Rei português»

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Afonso Henriques
Nascimento de uma nação...
«As figuras que marcam a vida dos povos tendem a ser mitificadas. É natural que assim aconteça. O mito é, com efeito, a explicação das origens. Pelo mito procura-se compreender a realidade. E o mistério do destino humano, em todas as suas vertentes, tende a buscar razões invisíveis para explicar o curso dos acontecimentos históricos. Isso torna-se evidente quando queremos representar a realidade da vida. E a grande dramaturgia faz-se da procura e da interrogação sobre os mitos e os seus mistérios. Shakespeare fez da recriação das personagens históricas tema para a complexa interrogação sobre a humanidade. Mais do que o evento, interessou-lhe a complexidade do fator humano. E diga-se, em abono da verdade, que no caso português o mito ganha um especial significado histórico e cultural. Antes do mais, pela improbabilidade essencial de uma independência política no ocidente da Península Ibérica, sem outra explicação que não a determinação dos povos e dos seus desígnios, numa rara compreensão da importância da frente aberta onde a terra se acaba e o mar começa, que o tempo pôde favorecer; mas também pela influência do que muitos autores designaram como fundo céltico, enquanto ponto de encontro de tradições indo-europeias ancestrais, que acompanharam o povoamento europeu, desde os gálatas aos galegos, dos megálitos aos heróis das florestas, com uma rica criatividade poética, artística e dramática. E o certo é que esse sentido teatral enriquece a compreensão dos mitos. Não há mitologia sem representação.
O drama que é apresentado nesta obra do cineasta, e escritor José Carlos Oliveira, que ora se irá ler, nasce sob o signo de um paradoxo primordial, que é, de si, um excelente ponto de partida mítico. Falamos da ambição, mas também da revolta, vividas por dona Teresa, mãe do nosso primeiro Rei, ante sua irmã Urraca e o defeito físico que atingiu à nascença o futuro Rei português, sinal que não impedirá alguém vocacionado para a maior glória, como figura histórica marcante. Assistimos, assim, à dramatização do nascimento de uma Nação. Há contradições e lutas, há encontros e desencontros. O falar de Egas Moniz no texto é significativo: o que é que queremos, hoje? A maioria hesita, resmunga, alguns afirmam, uns após outros: queremos o que é nosso; queremos sentar-nos onde antes nos sentávamos; queremos ser nós a escolher o nosso caminho. Um de entre eles desembainha a espada e bate com o punho na mesa, acalmam-se os ânimos, olha em redor da mesa e depois projecta a voz: queremos, como antes, decidir no que é nosso. Queremos, como antes, entregar os nossos impostos a quem queremos que sejam entregues, recrudesce o rumor.
É a vontade dos barões de Entre-Douro-e-Minho que se sente e que prevalece, perante o conflito inexorável que atravessava a Galiza, com suas velhas aspirações autonomistas (até eclesiásticas, com o arcebispo Diego Gelmírez) na esfera do reino de Leão. Dona Teresa tem ambições nítidas no Reino que fora de seu pai e intitula-se Rainha por força dessa genealogia. No entanto, quer o conde Henrique, quer a nobreza que aconselha o jovem Afonso tinham outras ideias. Havia que caminhar para sul. E um dilema trágico pesa sobre os ombros do jovem Infante: é para mim que passa o fardo de tal traição... Como é também sobre mim que recai o dever da reparação…» In José Carlos Oliveira, D. Afonso Henriques, O Primeiro Herói, 2016, Oficina do Livro, 2016, ISBN 978-989-741-419-0.

Cortesia de OdoLivro/JDACT