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O interesse alemão no Atlântico português
«(…) A política externa portuguesa tende, a partir de 1901, a aproximar-se
de novo da Inglaterra, assente desta vez na defesa do atlântico português. Em
1901, o rei português, Carlos I, fazia uma visita formal à Madeira e aos
Açores, revelando o quanto as ilhas atlânticas passavam a significar para a
Coroa portuguesa, já que essa visita se fazia acompanhar de uma grande parte da
Marinha nacional. Esta visita era, aliás, atentamente observada pela Marinha
alemã, que tinha as ilhas continuamente vigiadas. Num relatório da Marinha
germânica, de Outubro de 1901, relata-se que a visita do rei à ilha da Madeira reforçara,
na população e no governador da Madeira, o sentimento de segurança, numa época
tão conturbada da história do País, em que a propaganda republicana
antimonárquica obtinha já os seus frutos:
(...) O cruzador Adamastor foi então posto à disposição do governador
civil da Madeira, o qual visitou em terra e por mar as povoações da Madeira e
as ilhas adjacentes para promover no povo uma disposição pró-governamental.
Esta acção deve ter aliviado o governador, já que a visita à Madeira de Sua
Majestade o rei de Portugal, em Julho deste ano, muito fortalecera e
entusiasmara o sentimento monárquico e pró-governamental.
Tudo o que dissesse respeito às ilhas atlânticas interessava muito aos
Alemães, já que, em 1901, a Alemanha, assim como os E.U.A., pediam ao Governo
português a concessão de depósitos de carvão nestas, o que levava a Inglaterra
a reagir e a solicitar ao Governo português a confirmação das garantias de que
nenhuma outra potência teria possibilidade de aí constituir depósitos de carvão.
A visita do rei às ilhas tinha o intuito de reassegurar a soberania da Coroa
portuguesa sobre estas, na conjunctura da rivalidade anglo-alemã e no contexto
interno de agitação republicana contra a Monarquia.
A Marinha alemã observava atentamente, não só as ilhas atlânticas como
a capital do País, Lisboa. É com desagrado que os Alemães vêem, em Dezembro de
1900, a esquadra britânica, a Channel Fleet, visitar Lisboa. Trata-se, na
realidade, de um primeiro sinal de reconciliação anglo-lusa depois do Ultimatum.
De facto, as relações diplomáticas entre os dois países tendiam a melhorar,
sendo a aliança anglo-lusa já renovada em 1899, na Declaração de Windsor,
reafirmada por Carlos I, em 1900, aquando de um banquete em honra da vinda da
esquadra inglesa. O que parece preocupar o rei é, entre outros, a segurança do
espaço marítimo português no quadro da rivalidade anglo-alemã e a manutenção do
território colonial, o que refere MacDonell:
Em todo o caso pode supôr-se com segurança que, à parte de outra consideração
política e da pressão a que é sujeito o rei, o objectivo do Governo português
em desejar que viesse a público o reafirmar de antigos compromissos de tratados
entre os dois países, foi de salvaguardar a integridade das possessões
portuguesas na Africa do sul oriental (...).
O receio português de perder as colónias suplanta, temporariamente, o enraizado
sentimento antibritânico. Do lado alemão, surgiam apreensões face a esta
aproximação luso-inglesa e receava-se que o Tratado secreto Anglo-Alemão sobre as
Colónias Portuguesas não fosse cumprido, como revela uma carta do marquês de
Lansdowne ao visconde Gough:
(...) o barão de Eckardstein (depois de uma curta activiclade em Madrid,
entrou, em 1891, para a Embaixada alemã em Londres. Em 1898, participou nas
negociações sobre as colónias portuguesas e, em 1899, nas sobre as ilhas de
Samoa. Desde 1899, foi secretário da missão diplomática alemã em Londres, tendo
participado activamente nas negociações anglo-alemãs de 1900-1901. Nestas,
procedeu, aliás, contra instruções dadas, dando origem a alguma confusão nas
conversações então tidas com os ingleses. Durante a primeira crise de Marrocos
esforçou-se para que a Alemanha chegasse a um entendimento com a França. Morreu
em Haia, em 1933) chamou-me hoje e perguntou-me se o Governo alemão teria a
liberdade de dizer que as demonstrações recentes em Lisboa não afectavam de forma
nenhuma o Acordo secreto entre este país e a Alemanha assim como o das
possessões portuguesas na África do Sul (...)
A esta sondagem Lansdowne respondia a Eckardstein que nada mudara no
Acordo Anglo-Alemão. Apesar do Governo inglês assegurar, repetidas vezes, ao
barão de Eckardstein e ao conde de Hatzfeldt que nada mudara quanto ao Acordo
secreto, mesmo se a esquadra inglesa visitara Lisboa a 8 de Dezembro, a verdade
é que, em Berlim, os homens políticos se inquietavam, como reflecte o telegrama
de Bülow a Hatzfeldt:
As recentes demonstrações (das relações) anglo-portuguesas são utilizadas
na Alemanha contra a política do Governo alemão, como sendo um sintoma de que a
Inglaterra renuncia ao nosso acordo sul--africano.
In Gisela Medina Guevara, As Relações Luso-Alemãs antes da I Guerra
Mundial, A Questão da Concessão dos Sanatórios da ilha da Madeira, Faculdade de
Letras de Lisboa, Edições Colibri, Lisboa, 1997, ISBN 972-8288-70-0.
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