Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…)
A partir das sete horas, o núbio
recebia os vigias que tinham estado nos postos durante a noite. À pergunta: nada
a assinalar?, eles respondiam: nada, chefe, e iam-se deitar. Mas naquela manhã,
o primeiro vigia não dissimulava o seu embaraço. Há um problema, chefe. Explica-te.
Um dos nossos homens morreu esta noite. Uma agressão?, inquietou-se Sobek. Parece
que não... Caso contrário, teríamos detectado o culpado. Quer ver o cadáver? Sobek
saiu do gabinete para examinar os restos mortais do infeliz. Crânio partido,
ferimento na têmpora, constatou. Depois de uma queda daquelas, não é para
admirar, afirmou o vigia. Era a sua primeira noite de guarda e conhecia mal
esta zona. Escorregou no cascalho e veio pela encosta abaixo. Não é a primeira
vez que acontece e não será a última. Sobek interrogou os outros vigias: nenhum
tinha
notado a presença de
qualquer intruso. Era evidente que se tratava de um horrível acidente.
O que fazes aqui, Ardente? Devias estar
na pastagem. Acabou-se, pai. O que queres dizer? Não serei o teu sucessor. Sentado
numa esteira, o camponês poisou à sua frente as fibras de papiro com as quais
fazia uma corda. Incrédulo, ergueu os olhos para o filho. Enlouqueceste? Ser
camponês aborrece-me. Já disseste isso cem vezes... Ninguém pode passar o tempo
a divertir-se! Eu não tive ideias bizarras como tu, e contentei-me em trabalhar
duramente para alimentar a minha família. Tornei a tua mãe feliz, criei quatro
filhos, as tuas três irmãs e tu, e tornei-me proprietário desta quinta e de um grande
terreno... Não é um belo sucesso? Pela minha morte, não terás necessidades e
agradecer-me-ás para o resto da tua vida. Sabes que o ano é excelente e o céu
favorável? A colheita
vai ser abundante mas não pagaremos muitos impostos porque o fisco concedeu-me
facilidades. Não tens intenções de destruir tudo isso, pois não? Quero
construir a minha vida. Esquece essas grandes frases. Achas que as vacas se
alimentam com elas? Vão pastando sem mim e não terás qualquer dificuldade em
arranjar-me um substituto. A angústia fez tremer a voz do agricultor. O que te
aconteceu, Ardente? Quero desenhar e pintar. Mas tu és um camponês, filho de
camponês! Porquê procurar o impossível? Porque é o meu destino. Toma cuidado,
meu filho; arde em ti um fogo mau. Se o não apagares, destruir-te-á. Ardente
esboçou um sorriso triste. Enganas-te, pai. O camponês agarrou numa cebola e
trincou-a. O que desejas verdadeiramente? Entrar na confraria do Lugar de
Verdade. Enlouqueceste, Ardente? Consideras-me incapaz disso? Incapaz, incapaz,
eu cá não sei! Mas, de qualquer maneira, é uma loucura... E não fazes uma ideia
da existência terrível desses artesãos! Estão submetidos ao segredo, privados
de liberdade, obrigados a obedecer a superiores implacáveis... Os talhadores de
pedra têm os braços quebrados pela fadiga, as coxas e as costas cheias de
dores, morrem de esgotamento! E o que dizer dos escultores? Manejar o formão é
muito mais esgotante do que cavar de sol a sol com a enxada. À noite, continuam
a trabalhar à luz de lâmpadas e nunca têm dia de repouso! Pareces muito bem
informado sobre o Lugar de Verdade. É o que dizem... Porque não hei de
acreditar? Porque os boatos são sempre mentirosos. Não é ao meu filho que
compete dar-me uma lição de moral! Ouve os meus conselhos e dar-te-ás bem. Com
o teu
feitio impossível,
como havias de suportar um regulamento? Revoltar-te-ias desde o primeiro
segundo! Sê camponês, como eu, como os teus antepassados. E acabarás por ser
feliz. Com a idade, acalmar-te-ás e hás-de rir da tua revolta de adolescente». In Christian Jacq, A Pedra da Luz, Néfer, O Silencioso, Bertrand
Editora, 2000, ISBN-978-972-251-135-3.
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