Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…)
Sonhando
Na praia deserta que a lua
branqueia,
Que mimo! Que rosa! Que filha de
Deus!
Tão pálida... Ao vê-la meu ser
devaneia,
Sufoco nos lábios os hálitos
meus!
Não
corras na areia,
Não corras assim!
Donzela, onde vais?
Tem pena de mim!
A praia é tão longa! E a onda
bravia
As roupas de gaza te molha de
escuma...
De noite, aos serenos, a areia é
tão fria...
Tão húmido o vento que os ares
perfuma!
És tão doentia...
Não corras assim...
Donzela, onde vais?
Tem pena de mim!
A brisa teus negros cabelos
soltou,
O orvalho da face te esfria o
suor,
Teus seios palpitam, a brisa os
roçou,
Beijou-os, suspira, desmaia de
amor!
Teu pé tropeçou...
Não corras assim...
Donzela, onde vais?
Tem pena de mim!
E o pálido mimo da minha paixão
Num longo soluço tremeu e parou,
Sentou-se na praia, sozinha no
chão,
A mão regelada no colo pousou!
Que tens, coração
Que tremes assim?
Cansaste, donzela?
Tem pena de mim!
Deitou-se na areia que a vaga molhou.
Imóvel e branca na praia dormia;
Mas nem os seus olhos o sono
fechou
E nem o seu colo de neve
tremia...
O seio gelou?...
Não
durmas assim!
O pálida fria,
Tem pena de mim!
Dormia: na fronte que níveo
suar...
Que mão regelada no lânguido
peito...
Não era mais alvo seu leito do
mar,
Não era mais frio seu gélido
leito!
Nem um ressonar...
Não durmas assim...
O pálida fria,
Tem pena de mim!
Aqui no meu peito vem antes
sonhar
Nos longos suspiros do meu
coração:
Eu quero em meus lábios teu seio
aquentar,
Teu colo, essas faces, e a gélida
mão...
Não durmas no mar!
Não durmas assim.
Estátua sem vida,
Tem pena de mim!
E a vaga crescia seu corpo
banhando,
As cândidas formas movendo de
leve!
E eu vi-a suave nas águas boiando
Com soltos cabelos nas roupas de
neve!
Nas vagas sonhando
Não durmas assim...
Donzela, onde vais?
Tem pena de mim!
E a imagem da virgem nas águas do
mar
Brilhava tão branca no límpido
véu...
Nem mais transparente luzia o
luar
No ambiente sem nuvens da noite
do céu!
Nas águas do mar
Não durmas assim...
Não morras, donzela,
Espera
por mim!»
Poema de Álvares de Azevedo, in “Lira dos vinte anos”
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