A
Filha de Isis
O
primeiro pergaminho. Calor. Vento
«(…)
Todos tremiam na presença de Pompeu, desde que apareceu com todo o seu poder na
nossa parte do mundo. Primeiro, suprimiu uma rebelião em Ponto, depois
continuou até há Síria e tomou posse do resto do império dos selêucidas,
tornando-o uma província romana. Um província romana… O mundo inteiro estava tornando-se
uma província romana, ao que parecia. Durante muito tempo, Roma, que ficava
muito longe, do outro lado do Mediterrâneo, tinha-se concentrado na sua própria
área. Depois, gradualmente estendeu as suas garras em todas as direcções, como
os tentáculos de um polvo. Tomou a Espanha ao Oeste e Cartago ao Sul; depois a
Grécia ao Leste, crescendo e crescendo. E quanto mais crescia, mais apetite
tinha para alimentar o seu tamanho. Pequenos reinos eram apenas guloseimas,
pedacinhos como Pérgamo e Cária, facilmente digeridos. Os antigos domínios de
Alexandre seriam um prato maior para abater a sua fome incontrolável. Antes
havia três reinos que abarcavam os domínios de Alexandre, governados por três
generais e os descendentes deles: Macedónia, Síria e Egipto. Depois, dois.
Depois a Síria caiu, e ficou apenas um: o Egipto. Dizia-se que os romanos achavam
que tinha chegado a hora para o Egipto ser anexado e que essa era a vontade do próprio
Pompeu. Assim, meu pai decidiu fazer tudo o que estava ao seu poder para
comprar a aliança de Pompeu. Ele enviou cavalarias armadas para ajudar Pompeu a
arrasar a sua próxima vítima, a nossa vizinha Judeia. Sim, era desprezível.
Tenho de admitir. Não é de se admirar que seu povo o detestasse. Mas será que
era melhor para eles cair sob o domínio de Roma? As suas acções eram as de um
homem desesperado, que escolhe entre o ruim e o pior. Ele escolheu o ruim. Será
que eles teriam preferido o pior? Ele é um homem alto e robusto, disse meu pai.
Um pouco parecido com a sua irmã Berenice!, rimos com isso, os dois conspiradores.
Depois o riso morreu. Ele é aterrorizador, continuou meu pai. Qualquer pessoa
com o poder que ele tem já é aterrorizador, não importa a delicadeza dos seus
modos. Quero conhecê-lo, insisti. O banquete é muito longo, é barulhento, um
calor insuportável e vai entediá-la. Não há como assistir. Talvez quando crescer...
Espero que não tenha de diverti-los de novo, assim, esta é a minha única chance,
argumentei. E se eles vierem para cá outra vez, não será em circunstâncias
agradáveis. Não vai ter banquete algum. Ele olhou-me de um modo estranho. Agora
sei que foi porque lhe pareceu esquisito uma menina de sete anos falar daquele
jeito, mas na hora pensei que era porque ele ficara decepcionado comigo e não
permitiria a minha presença no banquete. Está bem, disse ele por fim. Mas exijo
que não fique olhando para ele. Deve ter comportamento impecável; precisamos
convencê-lo de que o Egipto e Roma estão bem servidos se nós permanecermos no
trono. Nós? Certamente ele não quis dizer..., ou será que sim? Eu era apenas a
terceira descendente, embora, naquele momento, eu não tivesse irmãos homens.
Nós,
os Ptolomeu, esclareceu. Mas não deixou de notar a chama de esperança que
nasceu em mim.
Meu
primeiro banquete: toda a real deveria
escrever um exercício retórico com este título. Porque os banquetes constituem
parte incomensurável nas nossas vidas; são o palco onde exercitamos a nossa
realeza. No começo, eles nos fascinam, como me fascinaram, mas depois, com os
anos, parecem apenas uma sucessão deles. Este banquete, o meu primeiro, no
entanto, ficará gravado na minha memória para sempre. Havia o acto (que logo se
tornaria rotina) de se vestir, a primeira etapa do ritual. Cada princesa tinha a
sua própria criada de guarda-roupa, mas a minha era na verdade minha ama, que
não sabia muito sobre roupas. Ela me vestiu com o primeiro vestido na pilha; a sua
única preocupação era que a roupa estivesse lavada e passada, e aquela vestimenta
em particular estava. Agora, precisa ficar quieta, para não amarfanhar a roupa,
ela disse, alisando a saia. Lembro-me que era azul e dura. Linho é tão fácil de
amachucar! Não é para sair por aí pulando e agindo como um menino do jeito que às
vezes faz. Esta noite, não! Esta noite precisa de se comportar como uma princesa.
E como é isso? Senti-me como se estivesse enrolada como uma múmia, que também é
embrulhada em linho. Talvez não fosse mesmo uma boa ideia ir ao banquete. Com
dignidade. Quando alguém lhe dirigir a palavra, vire a cabeça devagar. Assim.. Ela
demonstrou, deixando a sua cabeça girar devagar para um lado, enquanto abaixava
os cílios. E olhe para baixo, com modéstia, fez uma pausa. E responda com voz
baixa e doce. E não é para dizer `O quê? Só os bárbaros fazem isto. Talvez até
os romanos façam assim, mas você não deve seguir o exemplo deles, disse com
firmeza. Ela arranjou a minha gola, ajeitando-a. E se alguém mencionar um assunto
desagradável, vamos dizer, os impostos, a peste ou uma calamidade qualquer..., não
responde. É impróprio tocar em assuntos como estes num banquete». In
Margaret George, As Memórias de Cleópatra, 1997, tradução de Lídia Zanon,
Geração Editorial, 2000-2001, Edições Chá das Cinco, 2007, IBSN-
978-989-803-200-3.
Cortesia de
GEditorial/ECdasCinco/JDACT