segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Entre a República e a Acracia. O Pensamento e a Acção de Emílio Costa (1897-1914). António Ventura. «Através da conferência, do folheto ou do artigo de jornal, Emílio Costa lidera o grupo apelidado pelos seus adversários de “guerrista”…»

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«(…) Um segundo momento relevante confrontou Emílio Costa com o novo regime saído das jornadas revolucionárias de 4 e 5 de Outubro de 1910. Não recusou colaborar com a República, chegando mesmo a desempenhar cargos no âmbito da Comissão de Trabalho criada para arbitrar conflitos laborais e, pouco depois, protagonizou uma breve experiência como Adido de Legação na embaixada portuguesa em Berna, sob insinuações de companheiros que o acusavam de, ao colaborar com o Estado, trair o ideal libertário. Mas foi sol de pouca dura esse benefício da dúvida. Em escassos seis meses tudo se desvaneceu e a expectativa é substituída pela descrença e mesmo pela oposição. Submeteu o novo regime a uma crítica impiedosa, sistemática mas equilibrada, exercida em jornais de grande expansão como O Intransigente, de Machado Santos, e A Capital. O partidarismo exacerbado, os propósitos asfixiantes do Terreiro do Paço, a incapacidade demonstrada pelos novos governantes em resolver os crónicos problemas nacionais e, de um modo particular, o divórcio irreversível declarado entre o Governo Provisório e o movimento operário e sindical, converteram Emílio Costa num céptico. A partir de 1911, analisa e denuncia a nova situação, em especial os seus aspectos mais controversos ou mesmo negativos. Não se quedava, porém, como tantos outros, no plano dos grandes princípios, nem se perdia no labirinto retórico das frases propagandísticas sem conteúdo. Isento das paixões partidárias, num sentido lato, deformantes, que contaminavam a imprensa nacional de então, optou por uma crítica pedagógica, escalpelizando metodicamente quer os grandes temas da vida nacional e internacional, quer os pequenos conflitos do dia a dia, resultantes de traumas e vícios ancestrais. Alertava com ênfase para os enormes contrastes entre a maneira de ser e viver dos portugueses e a dos suíços, belgas ou franceses, que conhecia em pormenor. Advertia contra os perigos do centralismo, da incompetência, da politiquice despudorada que ameaçava destruir, irremediavelmente, as expectativas depositadas na República. As dezenas de artigos escritos entre 1911 e 1914 permitem-nos compreender a sua postura perante a nova situação, mas também constituem um valioso e lúcido testemunho pessoal sobre a falência de um regime que malbaratou um enorme capital de esperança.
A eclosão da Grande Guerra possibilitou-lhe uma nova tomada de posição polémica, ao assumir-se como o mais destacado representante em Portugal do anarquismo intervencionista, expressão utilizada para designar a corrente favorável à intervenção no conflito, contra os impérios centrais, animado a nível internacional por Kropotkine e Jean Grave, entre outros. Através da conferência, do folheto ou do artigo de jornal, Emílio Costa lidera o grupo apelidado pelos seus adversários de guerrista, provocando assim uma irreversível cisão no anarquismo português. Os seus textos dessa época são guias seguros para o conhecimento sistematizado dos argumentos aduzidos por guerristas e antiguerristas, tanto a nível nacional como internacional». In António Ventura, Entre a República e a Acracia. O Pensamento e a Acção de Emílio Costa (1897-1914), Edições Colibri, Lisboa, 1995, ISBN 972-8047-94-0.

Cortesia de Colibri/JDACT