«Onze da manhã. O quintal das
casas passa ruidosamente por mim. Aqui e ali uma piscina elevada acima do solo,
móveis para o terraço descartados, bicicletas enferrujando. Cachorros latindo,
amarrados com cordas. Relvados secos. O céu é de um azul pálido, o calor do início
do Verão ainda começando a se desdobrar. A cada quinze minutos, mais ou menos,
o comboio pára. Entram mais pessoas do que saem. Os banhistas de fim-de-semana
procuram por assentos vazios em meio ao trem lotado, barulhento e fortemente
iluminado. Trazem sacolas estufadas com protector solar, garrafas de água,
sanduíches e revistas. As mulheres usam trajes de banho debaixo da roupa e
explosões de cores fluorescentes ao redor do seu pescoço. Os homens, jovens,
tatuados e musculosos, com os fones de seu iPod enfiado nas orelhas, usam bonés
com a aba virada para trás, bermudas e chinelos, com toalhas jogadas ao redor
do seu pescoço, prontos para um sábado na praia.
Claire está entrando com eles.
Mas não está com eles. Também não estou lá. Ainda não nos encontrámos, mas
posso imaginá-la. Se fechar os olhos, ainda consigo lembrar-me do som da sua
voz, do seu jeito de andar. Ela é jovem, atraente e vai rapidamente em direcção
a um destino que vai mudar a sua vida, e a minha, para sempre. Ela encolhe-se
contra a janela, tentando concentrar-se no seu livro, mas levanta os olhos das páginas
de tempos em tempos para observar a paisagem que passa ao lado. O sacolejar do comboio
a deixa com sono. A viagem parece levar mais tempo do que realmente leva, e ela
deseja já estar no seu destino. Silenciosamente, tenta fazer que o comboio ande
mais depressa. A sua mochila, a mesma que levou nas suas viagens pela Europa,
está no assento ao seu lado, e ela espera que ninguém lhe peça que a tire dali.
Ela sabe que é grande demais, e parece que está vindo para passar uma semana ou
um mês, não apenas uma noite. A sua colega de quarto levou a outra mala, aquela
com rodinhas que as duas compartilham, numa viagem de negócios. Ela abre o seu
livro e tenta se concentrar nas palavras outra vez, mas não adianta. Não que
seja um livro ruim. Teve vontade de lê-lo desde que chegou às livrarias. O
autor é um de seus favoritos. Talvez ela o leia mais tarde, na praia, se tiver
tempo. O pica passa para recolher o canhoto dos bilhetes. Ele tem um
bigode farto, avermelhado, e está vestindo uma camisa envelhecida azul-clara,
de mangas curtas e um boné redondo, azul-escuro.
Já fez esse trajecto centenas de
vezes. Speonk, entoa, com a voz anasalada, alongando a última sílaba. Próxima
estação, Spe-onnnnk. Ela consulta o folheto que tem na mão. Faltam apenas
algumas estações. Em Westhampton, os banhistas começam a descer do comboio em
pequenos grupos. Alguns encontram-se com amigos que têm carro. Cumprimentos,
apertos de mão e risos. Outros ficam por ali e tentam orientar-se no
estacionamento banhado pelo sol, pressionando o seu telefone móvel contra a
orelha. As suas aventuras já estão a começar... Ela recoloca o folheto no
bolso. Tem de esperar mais 38 minutos até chegar ao seu destino. Na estação,
Clive está esperando. Vá para a esquerda quando sair, disse-lhe ele. Estarei lá.
Ele é alto, loiro e inglês. A fralda da camisa, cara, que veste não está
colocada por dentro da bermuda. Ela nunca o viu com esses trajes antes. Ele está
bronzeado. Faz apenas uma semana que o viu pela última vez, mas ele dá a
impressão de que viveu aqui a vida inteira. Que os casacos sob medida que
normalmente veste parecem pertencer a algum outro homem. Ele inclina-se para a beijar
no rosto e pega na sua mala.
Quanto tempo pretende ficar, exactamente?,
pergunta, com um sorriso. Eu sabia que ia dizer isso, responde, com um beijo. Não
precisa entrar em pânico. Dana levou a mala boa. Ele ri tranquilamente e começa
a caminhar, dizendo: Estacionei ali adiante. Imaginei que a levaria para casa e
depois poderíamos sair todos juntos para almoçar. Ela ouve a menção de outras
pessoas e fica surpresa, mas tenta não demonstrar. Venha passar o fim-de-semana
aqui, dissera, tocando-lhe o ombro com os lábios. Quero que venha. Vai ser bem
tranquilo. Apenas nós. Você vai adorar. Ele abre a porta do seu carro conversível,
com espaço apenas para o motorista e o passageiro, e joga a mala para trás dos
assentos. Ela não entende nada sobre carros, mas sabe dizer que esse é um belo
modelo. A capota está baixada e o cheiro forte do couro está agradavelmente quente
contra a pele nua da parte detrás das suas pernas. Embora seja mais velho do
que ela, ele tem a jovialidade comum dos homens que nunca se casaram. Mesmo se
viajam com uma mulher, há um ar de despojamento ao seu redor, como se nunca
houvessem sentido o peso de nada que não fossem os seus próprios desejos.
Quando ela o conheceu, numa festa
em Tribeca, e depois no restaurante e, posteriormente, na cama, ele parecia um
garoto que voltou para a casa da sua família para passar o natal, e que tentava
conseguir o máximo de prazer antes que tudo estivesse terminado. Então, quem
mais está ficando consigo?, ela não quer fazer que aquilo soe como uma acusação.
Ah, apenas o restante do meu harém, diz, piscando o olho. Estendendo o braço,
ele pousa a mão sobre a coxa dela. Não se preocupe. Clientes. Se auto-convidaram
no último instante, e eu não consegui dizer não. Desculpe. Eles passam por
cercas vivas altas, atrás das quais há vislumbres ocasionais de casas grandes. Trabalhadores
mexicanos, ou talvez guatemaltecos, vão de um lado para o outro, empurrando cortadores
de relva, podando galhos, limpando piscinas, organizando pilhas de cascalho,
com as suas velhas camionetas estacionadas inofensivamente à beira da estrada.
Há outras pessoas nas estradas também. Homens e mulheres correndo, alguns
pedalando a sua bicicleta, uma ou duas Empregada doméstica empurrando carrinhos
de bebê. A luz do sol brilha por entre as folhas. O mundo inteiro parece ser um
lugar bem cuidado, verdejante e privado». In Charles Dubow, Indiscreto, 2013, Companhia
Editora Nacional, 2013, ISBN 978-850-401-867-7.
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