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Trabalho
apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pernambuco
para a obtenção do grau de doutor em Teoria da Literatura
Dama Christine Pizan
«(…) Essa ascensão referente à
participação feminina à causa intelectual, seja, enquanto mulheres
eruditas, moralistas, teólogas, poetas, romancistas, doutas, filósofas,
confirma um surpreendente poder de resistência e de várias vitórias, nas querelas
de género, travadas ao longo dos séculos, ora no campo literário, ora no
jurídico, ora no domínio da sexualidade, mas, sempre sem busca, ao mesmo tempo,
da igualdade entre os sexos e do direito à diferença. Eis a essência do
paradigma das relações sociais entre os sexos, que sempre foi a chave das questões
de género. As vitoriosas intelectuais, tendo a pena como instrumento, e portando
um interesse específico sobre a questão feminina de cada época, transformaram o
debate puramente literário numa discussão política, iniciando com a teoria
aristotélica da polaridade dos sexos, no final da Idade Média. Entre elas, vale
ressaltar a escritora Christine de Pizan, que inicia no século XV a querelle des femmes, através do
polémico debate epistolar chamado Querelle
du Roman de la Rose; travado entre a escritora e alguns
intelectuais: Jean de Montreuil, Pierre Col, e Jean Gerson, acerca da misoginia
expressa na obra Le Roman de la
Rose, uma das mais célebres da idade Média. Junta-se às vitoriosas
intelectuais, Marie de Gournay que, em 1626, discute em De l’égalité des hommes et des femmes et
Le Grief des dames (1626),
a problemática da mulher intelectual em termos feministas. Também a romancista
Riccoboni de Lambert que, cujos personagens femininos são levados pelo desejo
de escapar à tutela masculina, como l’Histoire
de miss Jenny (1764) ou l’Histoire d’Ernestine (1765), tem os seus méritos de
escritora, reconhecidos pelas enciclopedistas Diderot e Choderlos. No século
XIX, o feminismo político-jurídico de George Sand e Marguerite Durand se
inscrevia na linguagem da imprensa e teve um papel de grande importância na
cena política da época. E, por fim, no século XX, a grande figura de destaque
fica sendo a filósofa Simone de Beauvoir, de contribuição indiscutível nas
lutas pelo reconhecimento da mulher no espaço público, através da sua filosofia
Existencialista. Todas essas mulheres, entretanto, cujos escritos são objecto
de discussões em vários domínios do conhecimento, são levadas a enfrentarem actualmente
um outro desafio: o de serem lidas, analisadas, interpretadas como personagens
pertencentes a um contexto histórico e literário particular. O eco das suas
vozes, do seu pensamento retorna muitas vezes de forma destorcida e iníqua, na
medida em que lhes é reclamado um olhar de género fora dos seus contextos. Uma
das preocupações dos estudos de género no presente consiste, justamente, em não
repetir os exemplos de críticas anteriores, como a do início do século XX, que,
sobretudo por ter sido palco de um período particularmente importante de
reivindicações feministas, uma espécie de idade de ouro do feminismo que
precede o dos anos 70-80, como lembra Michelle Perrot, apresentavam, em muitos
casos, considerações anacrónicas, e julgamentos injustos nas análises de textos
de séculos anteriores de autoria feminina.
Tais considerações, pude
observar, por exemplo, na primeira fase da recepção das obras de Christine de
Pizan, no início do século XX. Bastante influenciada pelo movimento feminista
emergente da época, a leitura da obra da escritora foi bastante estruturada em
um controverso questionamento do seu feminismo. Ao lado da redescoberta dos
escritos de Christine de Pizan, com a publicação das edições do Livre des fais et bonnes moeurs du Sage Roy
Charles V, o Livre du Chemin de
Long Estude, e suas Oeuvres poétiques,
editadas por Maurice Roy, assiste-se, simultaneamente, a uma utilização das
suas obras pelos conservadores Théodore Joran, Gustave Gröber, como uma arma
contra as aderentes dos movimentos de emancipação contemporâneos, ou ainda, à
divulgação de uma visão de Christine açucarada, cor-de-rosa, também
classificada de feminista de direita, como atesta Margarete Zimmermann, no seu
artigo Christine de Pizan et les féminismes autour de 1900, fazendo
referência à tese de Rose Rigaud, Les
idées féministes de Christine de Pizan. Zimmermann conclui o seu
artigo com uma lúcida reflexão transcrita embaixo, uma espécie de apelo à nossa
auto-reflexão:
historicidade dos debates dos
anos 1900-1940 assim como a historicidade das nossas próprias posições constituem
um primeiro passo essencial. Ao mesmo tempo, trata-se de demonstrar até que
ponto toda a abordagem de Christine remete sempre às relações entre os sexos da
época em questão. Parece-me capital reconhecer tal facto e fazer dele parte
integrante das nossas leituras christinianas que, também elas, estão longe de
serem inocentes.
De complexidade,
pluridisciplinaridade, diversidade estão formadas as várias abordagens que
englobam os estudos actuais sobre Christine de Pizan. A investigação das
relações de género, no entanto, encabeçam o conjunto dos estudos, sobretudo
depois das traduções em várias línguas do livro La Cité des Dames, a partir dos anos 80, considerado a pedra
angular do seu feminismo. A onda de seminários, e colóquios internacionais
exclusivamente sobre Christine de Pizan, cujas actas são publicadas a partir de
1984 dão prova de um esforço cada vez mais vivo em difundir e diversificar os
temas de abordagens da obra dessa escritora, até tão pouco tempo desconhecida,
inclusive na Itália e na França, seus países de origem e de adopção». In Luciana Eleonora F. Calado, A Cidade
das Damas, A construção da memória
feminina no imaginário utópico de Christine de Pizan, Teses de Doutoramento,
Universidade de Pernambuco, Recife, 2006.
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