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«(…) Minha janela? Que
extraordinário! Não pude conter um ligeiro estremecimento e atravessei o quarto
para fechar as persianas, embora fosse um pouco tarde para isso. Frank
seguiu-me, ainda falando. Sim, eu mesmo pude vê- la lá debaixo. Escovava os
cabelos e resmungava porque estavam arrepiados. Nesse caso, o sujeito
provavelmente estava-se divertindo, disse, asperamente. Frank sacudiu a cabeça,
embora sorrisse e alisasse os meus cabelos. Não, ele não estava rindo. Na
verdade, ele parecia terrivelmente infeliz com alguma coisa. Não que eu tenha
podido ver bem o seu rosto; foi alguma coisa na maneira como estava ali parado.
Eu vim por trás dele e, quando ele não se moveu, perguntei educadamente se
poderia ajudá-lo em alguma coisa. Primeiro, ele agiu como se não me tivesse ouvido,
e eu achei que talvez não tivesse mesmo, com o barulho do vento, então repeti o
que dissera e estendi a mão para tocar seu ombro, chamar sua atenção, sabe. Mas
antes que eu pudesse tocá-lo, ele girou repentinamente nos calcanhares, passou
por mim e começou a descer a rua. Parece um tanto grosseiro, mas não muito
próprio de um fantasma,observei, esvaziando meu copo. Como ele era? Um sujeito
grandalhão, Frank disse, franzindo a testa ao se recordar. É escocês, em trajes
completos das Highlands, com a bolsa de pêlos usada pelos escoceses na frente
do kilt e um lindo broche de um veado correndo prendendo o xaile xadrez. Quis
perguntar- lhe onde o tinha conseguido, mas afastou-se antes que eu tivesse a oportunidade.
Dirigi-me à escrivaninha e servi
outra dose de uísque. Bem, não é uma aparência muito estranha para essa região,
certo? De vez em quando vejo um homem vestido assim na vila. Nããão... Frank parecia
duvidar. Não, não eram as suas roupas que pareciam estranhas. Mas quando passou
por mim, eu poderia jurar que ele estava suficientemente perto para esbarrar na
manga do meu casaco, mas não o fez. Fiquei tão intrigado que me virei para
observá-lo conforme se afastava. Ele desceu a Gereside Road, mas quase ao chegar
à esquina, ele..., desapareceu. Foi quando comecei a sentir um calafrio na
espinha. Talvez a sua atenção tenha sido desviada por um instante e ele
simplesmente tenha mergulhado nas sombras. Há muitas árvores no fim da rua. Posso
jurar que não tirei os olhos dele nem por um segundo, murmurou Frank. Ergueu os
olhos subitamente.
Já sei! Lembro-me agora porque o
achei tão estranho, embora não tivesse percebido isso na hora. O quê? Eu estava
ficando um pouco cansada do fantasma e queria passar para questões mais
interessantes, como a cama. Estava vento forte, mas as pregas, sabe, do saiote
e do xaile quadriculados, elas simplesmente não se mexiam, excepto com o
movimento de seus passos. Fitámo-nos. Bem, disse finalmente, isso é um pouco
arrepiante. Frank deu de ombros e sorriu de repente, descartando o assunto. Ao
menos, terei alguma coisa para contar ao vigário da próxima vez que o
encontrar. Talvez seja um famoso fantasma local e ele poderá contar a sua
história sangrenta. Olhou para o seu relógio. Mas agora, eu diria que são horas
de irmos para a cama. É, sim - murmurei.
Observei-o pelo espelho, enquanto
tirava a camisa e procurava um cabide. De repente, parou enquanto desabotoava a
camisa. Teve muitos escoceses sob os seus cuidados, Claire?, perguntou
bruscamente. No hospital de campanha ou em Pembroke? Claro, respondi, um pouco
intrigada. Havia muitos Seaforth e Cameron na base militar em Amiens e, um
pouco mais tarde, depois de Caen, tivemos muitos Gordon. Bons sujeitos, na
maioria. Muito estóicos a respeito de tudo de um modo geral, mas terrivelmente
covardes quando se tratava de injecções. Sorri, lembrando-me particularmente de
um deles. Tivemos um, na verdade um sujeito muito rabugento, um gaiteiro dos
Seaforth, que não suportava injecção, especialmente nas nádegas. Passava horas
no mais terrível desconforto antes de deixar que alguém se aproximasse dele com
uma seringa e, mesmo assim, tentava fazer-nos dar- lhe a injecção no braço,
embora fosse intramuscular. Ri diante da lembrança do cabo Chisholm. Ele disse-me:
se vou ficar deitado de barriga para baixo, com minha bunda de fora, quero que
a garota fique em baixo de mim, não atrás de mim com uma agulha!
Frank sorriu, mas pareceu um
pouco apreensivo, como sempre acontecia com as minhas histórias de guerra menos
delicadas. Não se preocupe, assegurei-lhe, percebendo a sua expressão, não vou
contar essa na hora do chá na sala dos professores. O sorriso arrefeceu e ele
aproximou-se, parando atrás de mim, sentada à penteadeira. Beijou o topo de
minha cabeça. Não se preocupe, disse. Os professores vão adorá-la, quaisquer
que sejam as histórias que contar. Hum. Os seus cabelos estão com um perfume
delicioso. Gosta? Em resposta, suas mãos deslizaram para a frente por cima dos
meus ombros, segurando meus seios na camisola fina. Eu podia ver seu rosto
acima do meu no espelho, o queixo descansando sobre a minha cabeça. Gosto de
tudo em si, disse com a voz rouca. Fica linda à luz de velas. Seus olhos são como
xerez no cristal e a sua pele brilha como marfim. Uma feiticeira à luz de
velas, é o que você é. Talvez eu devesse desligar as lâmpadas permanentemente.
Fica difícil ler na cama, disse,
o coração começando a acelerar. Posso pensar em coisas melhores para fazer na
cama, murmurou. Pode mesmo?, disse, levantando-me e virando-me para passar os
braços em volta de seu pescoço. Como o quê, por exemplo?
Algum tempo depois, aconchegados
por trás das persianas trancadas, ergui minha cabeça dos seus ombros e disse: porque
me perguntou aquilo? Se eu tive contacto com escoceses, quero dizer, deve saber
que tive, há todo o tipo de homens nesses hospitais. Ele mexeu-se e deslizou a
mão pelas minhas costas. Hum! Ah, por nada, na verdade. É que, quando vi aquele
sujeito lá fora, ocorreu-me que pudesse ser, hesitou, apertando-me mais um
pouco nos seus braços. Hã! Sabe, que pudesse ser alguém de quem cuidou,
talvez..., talvez tivesse ouvido falar que estava aqui e veio ver..., algo
assim. Nesse caso, eu disse, de modo prático, por que ele não entraria e
pediria para me ver? Bem, a voz de Frank pareceu muito descontraída, talvez ele
não quisesse dar de cara comigo». In Diana Gabaldon, Nas Asas do Tempo, Casa
das Letras, Leya, 2010, 2016, ISBN 978-972-461-974-3.
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