A conquista de Espanha. Tárique
«(…) Mandou em seguida a sua submissão a Muça: conferenciou com ele,
entregou-lhe as cidades colocadas sob o seu mando, mediante um pacto que
concertou com vantagens e condições seguras para si e seus companheiros. E tendo-lhe
feito uma descrição de Espanha, estimulou-o a que procurasse a sua conquista. Acontecia
isto no final do ano 90. Muça escreveu a Alualide a nova destas conquistas e do
projecto apresentado por Julião, ao que o califa respondeu dizendo: manda a
esse país alguns destacamentos que o explorem e tomem informes exactos. E não
exponhas os muçulmanos a um mar de ondas revoltas. Muça respondeu-lhe que não
era um mar, mas um estreito que permitia ao observador descobrir de uma parte a
forma que o lado oposto revestia. Mas Alualide replicou-lhe: ainda que seja
assim, informa-te por exploradores. Enviou, pois, um dos seus validos, chamado
Tárife e de cognome Abú Zara, com 400 homens, entre eles 100 de cavalaria, o
qual passou em quatro barcos e arribou a uma ilha, chamada ilha de Andaluz, que
era arsenal (dos cristãos) e ponto donde largavam as suas embarcações. Por ter
desembarcado ali tomou o nome de ilha de Tárife. Esperou que se lhe juntassem
todos os seus companheiros e depois dirigiu-se em algara contra Algeciras. Fez muitos
cativos, como nem Muça nem os seus companheiros tinham visto semelhante;
recolheu grande roubo e regressou são e salvo. Isto foi no Ramadã do ano 91.
A Invasão
Quando isto viram, (os muçulmanos) desejaram passar prontamente para
lá. E Muça nomeou chefe da vanguarda um liberto seu, chamado Tárique ibne
Ziade, persa de Hamadane, ainda que outros digam que não era seu liberto, mas
da tribo de Sadife, para que fosse a Espanha com 7000 muçulmanos, na sua maior
parte berbere e libertos, pois havia pouquíssimos árabes. E passou no ano 92
nos quatro barcos mencionados, os únicos que tinha, os quais foram e vieram com
infantaria e cavalaria, que se ia reunindo num monte muito forte, situado à
beira-mar, até que esteve completo todo o seu exército.
Quando o rei de Espanha soube as novas da correria de Tárique,
considerou o assunto como coisa grave. Estava ausente da corte, combatendo
Pamplona, e dali se dirigiu para o meio-dia, tendo reunido contra este
(Tárique) um exército de cem mil homens ou coisa semelhante, segundo se conta.
Mal esta notícia chegou aos ouvidos de Tárique, escreveu a Muça pedindo-lhe
mais tropas e dando-lhe parte de que se apossara de Algeciras e do Lago, mas o
rei de Espanha vinha contra ele com um exército que não podia defrontar. Muça,
que desde a partida de Tárique mandara construir barcos e já tinha muitos,
mandou-lhe com eles 5000 homens de modo que o exército chefiado por Táriqu
chegou a 12000. Tinha já cativas muitas e importantes personagens; e com ele
estava Julião, acompanhado de bastante gente do país, o qual lhes indicava os
pontos indefesos e servia para a espionagem.
Batalha do Lago ou Guadalete
Acercou-se Rodrigo com a flor da nobreza espanhola e os filhos dos seus
reis, os quais, ao verem o número e a disposição dos muçulmanos, tiveram uma
conferência e disseram uns aos outros: este filho da má mãe fez-se dono do
nosso reino sem ser de estirpe real, mas, ao contrário, um dos nossos
inferiores. Aquela gente não pretende estabelecer-se no nosso país. A única
coisa que deseja é ganhar boa presa: conseguida esta, marcharão e nos deixarão.
Empreendamos a fuga no momento da peleja e o filho da má mulher será derrotado.
E foi nisto que acordaram.
Rodrigo dera o mando da ala direita do seu exército a Sisberto e o da
esquerda a Opas, ambos filhos so seu antecessor Vitiza e cabeças da conspiração
indicada. Aproximou-se, pois, com um exército de cerca de 100000 combatentes e
tinha este número (e não outro maior) porque houvera em Espanha uma fome (que
principiou no ano 88 e continuou durante todo o ano e os de 89 e 90) e uma
peste durante a qual morreram metade ou mais dos habitantes. Veio depois a ano
de 91, que foi ano em Espanha que, por sua abundância, recompensou os males
passados e no qual se efectuou a invasão de Tárique». In António Borges Coelho,
Portugal na Espanha Árabe, História, Colecção Universitária, Editorial Caminho,
1989, ISBN 972-21-0402-0.
Cortesia de
Caminho/JDACT