Erros da cúpula da Igreja
«(…) Seja irrepreensível a vossa
conduta entre os pagãos, porque quando vos caluniam como malfeitores, ao ver as
vossas boas obras, calais a boca à ignorância dos estultos. À distância de
trinta anos da morte daquele padre, hoje declarado venerável e a caminho do
altar, a que a tese vai agarrar-se aquele superlativo dicastério, durante
cinquenta anos adversário daquele homem de Deus, para não aparecer como
escândalo e justificar perante o mundo o seu inaceitável comportamento?
O desaforo dos homens que se
faziam passar por Igreja infalível é tal que já não lhes é possível compatibilizar
a santidade do homem taumaturgo e as condenações que lhe foram impostas e nunca
foram retractadas. Agora que será levado às honras dos altares quem por eles
foi definido como mistificador e corruptor de costumes e que não cessa de
chamar ao seu túmulo milhões de crentes e não crentes de todo o mundo,
realizando os mais extraordinários prodígios (actualmente toda a área à volta
do convento capucinho de S. João Rotondo é insuficiente para acolher a enorme
quantidade de veículos que transportam os sete milhões e meio de peregrinos que
aí se dirigem durante o ano. As multidões lamentam-se porque são obrigadas a
permanecer durante horas em fila para visitar os passos e os sítios do santo
religioso, onde, cinquenta anos atrás, era um caminho de mulas que levava, por
entre bosques, àquele escondido convento habitado por poucos capucinhos,
esquecidos na eremitagem. Pelos fins dos anos 20 eram ainda muito poucos os que
a conseguiam atingir para se confessar e dirigir-se àquele jovem frade
estigmatizado, que dormia num casebre hospitaleiro nas imediações. Uma rapariga
Cerigrolana decidira passar cinco ou seis meses ao lado do padre Pio para ser
orientada espiritualmente por ele. De família abastada, duas das irmãs mais
novas tinham entrado como religiosas numa comunidade religiosa da região, hoje
muito florescente noutros continentes. A rapariga em causa não se sentia atraída
a seguir o mesmo caminho, mas queria permanecer solteira. Tendo recebido a sua
quota-parte do património familiar, titubeava perante o projecto de adquirir um
quadrado de terreno à venda defronte da pequena igreja do convento dos Capucinhos
para construir uma habitação só para si, onde permanecer durante a sua longa
estada. Perguntou ao padre Pio, seu director espiritual: padre, vende-se aquela
leira de terra logo fora da porta da igreja que, disse, posso comprar ou não
para construir uma pequena casa? Sabeis que possuo algum dinheiro para
investir... Padre Pio parecia distraído por outros pensamentos e caminhava sem
dizer o que pensava. Eh, Padre, que pensa disto? Expliquei-me? Que devo fazer?,
Sim, sim! Compre-o, compre-o!, diz ele. A rapariga, embaraçada por ter de o
contradizer face àquela opinião, que não tinha presente a situação do lugar solitário,
disse: padre, não sei como hei-de dizê-lo: vós estais morre, não morre, quando
vós já não estiverdes cá, que farei de uma casita perdida nesta floresta? E padre
Pio continuando a caminhar distraidamente, mas com o olhar posto no futuro,
talvez fixando os fenómenos que se verificavam naquele lugar, profetiza no
dialecto tradicional: Falla, falla... ca dop'é pégj!, compra e constrói
porque por causa da afluência, depois da morte será pior que agora. Aquele
quadrado de terreno actualmente situa-se sob a praça, em frente à pequena
igreja) muitos se hão-de perguntar: que parcela da Igreja continuou a errar neste
fim de século? Quem viu bem? A Igreja da base ou a Igreja do vértice? Pode
afirmar que possui o carisma de reconhecer todos os carismas divinos essa
instituição vaticana que durante cinquenta anos declarou não constar nada
acerca da sobrenaturalidade daqueles fenómenos, sistematicamente desatenta aos
fiéis da base, que, não obstante tudo, acorriam a ele? Um tal modo de proceder
é verticalizar a Igreja e separá-la dos fiéis, também eles impregnados do sensus
Dei.
Uma
manhã, durante a celebração da missa do padre Pio, muito cedo, na antiga
pequena igreja, os homens, por falta de espaço, apinhavam-se no pequeno
presbitério até mais não poder ser, empurrando-se involuntariamente uns aos outros.
Entre eles estava um jovem diácono que desde há anos ali se dirigia, apesar de
os superiores do seminário lhe recordarem as severas proibições da cúria
romana. O clérigo respondia que nada havia de mal em ir verificar as maravilhas
de Deus provadas num seu servo. Mas eles julgavam o seu comportamento pouco
conforme as ordens superiores, porquanto era necessário obedecer a quem sabia,
a esse respeito, mais do que ele». In I Millenari, Via col vento in Vaticano, Kaos
Edizioni, 1999, O Vaticano contra Cristo, tradução de José A. Neto, Religiões, Casa das Letras, 2005,
ISBN 972-46-1170-1.
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