«A
Filha do Sangue é uma viagem inesquecível num mundo
estranho e assombroso dominado pela magia. Essa magia é proveniente de jóias
que são atribuídas a cada indivíduo em complexas cerimónias, e é em torno delas
que existem os Sangue. Eles vivem para honrar as Trevas. São o produto de uma
sociedade dividida por castas que se tornou cruel. No início, eles eram os
protectores do Reino, mas com o tempo a essência dos Sangue foi corrompida.
Agora os machos são brutalizados desde a infância e se tornam escravos dos
caprichos de rainhas maquiavélicas. Durante muito tempo as Trevas tiveram um
Príncipe, mas a chegada de uma Feiticeira com um poder inimaginável foi
profetizada. É então que nos é apresentada Jaenelle, o centro do universo negro
e sensual. Ela ainda é jovem,
vulnerável, inocente, sujeita a influências corruptas. Quem a controlar terá
domínio sobre as Trevas. Cabe a três homens, três príncipes do Sangue que
carregam o sobrenome SaDiablo, protegê-la: são eles Saetan, Senhor Supremo do
Inferno, e seus filhos, Daemon e Lucivar.
Esses três homens são muito diferentes entre si, mas partilham
algumas características: muito poderosos, são profundamente atormentados, e as
suas vidas serão alteradas para sempre por Jaenelle. O mais velho, Saetan, sabe
que ela é a filha que lhe foi prometida em visões e terá que protegê-la contra
a violência das castas. Daemon tem grande fama pela sua beleza, mas a sua
elegância e sensualidade são manchadas pelo seu enorme cinismo e frieza.
Trata-se de um príncipe de imenso poder, mas ele é usado como mero escravo de
prazer. Incapaz de se subjugar à tirania das rainhas, Lucivar não consegue
controlar a sua raiva e é condenado a um encarceramento cruel.
Apesar do enredo arrebatador e complexo do universo das Jóias
Negras, A Filha
do Sangue é, no fundo, uma
bela história de amor em que uma mulher é quase destruída por um mundo cruel,
até ao momento em que é salva (será mesmo?) por homens com almas desfiguradas
pelo passado. Em Jaenelle está concentrada a força que permite aos três
SaDiablo combater os seus demónios interiores. Mas que preço cada um deles está
disposto a pagar para realizar o seu desejo mais profundo?
Terreille
Sou
Tersa, a Tecelã, Tersa, a Mentirosa, Tersa, a Louca.
Sempre que os Senhores e Senhoras dos Sangue com Jóias dão
um banquete, sou a diversão que vem depois que os músicos tocaram, os rapazes e
moças dançaram e os Senhores já beberam vinho demais e exigem que a sorte lhes
seja lida. Conte-nos uma história, Tecelã, gritam, enquanto tocam as coxas das
moças que os servem e as Senhoras observam os jovens, a decidir quais deles
terão o doloroso prazer de servi-las à noite, na cama. Houve um tempo em que
fui parte deles, tão Sangue quanto eles. Não, não é verdade. Eu não era Sangue como eles. Por isso fui quebrada
pela lança de um Senhor da Guerra, tornando-me vidro estilhaçado que reflecte
apenas o que poderia ter sido. É difícil quebrar um macho com Jóias dos Sangue,
mas a vida de uma Feiticeira está suspensa pelo fio himenal, e o que acontece
na sua Noite da Virgem determina se ela permanecerá
intacta para exercer a Arte ou se irá tornar-se um receptáculo partido,
restando-lhe o sofrimento eterno pela parte de si mesma que se esvaeceu. Ah,
alguma magia permanece, o suficiente para a vida do dia-a-dia e truques de
salão, mas não a Arte, o sangue da vida para a nossa espécie. A Arte, porém,
pode ser recuperada, caso se esteja disposto a pagar o preço. Na minha
juventude, lutei contra esse último declive que leva ao Reino Distorcido. É
melhor ser quebrada e continuar sã do que ser quebrada e enlouquecer. É melhor
olhar para o mundo e reconhecer uma árvore como uma árvore, uma flor como uma
flor, do que olhar através de uma névoa para formas cinzentas e
fantasmagóricas, vislumbrando claramente apenas os fragmentos de si mesmo. Pelo
menos era o que eu pensava na época.
Enquanto me arrasto para o pequeno banco, luto para me manter nos
limites do Reino Distorcido e para ver, uma última vez, o mundo físico. Com
cuidado, coloco na pequena mesa junto ao banquinho a estrutura de madeira que
segura a minha teia emaranhada, a teia de sonhos e visões. Os Senhores e Senhoras esperam que eu lhes leia a sorte, e isso eu
sempre fiz, não através de mágica, mas mantendo os olhos e ouvidos atentos, e
então lhes dizendo o que querem ouvir. Simples. Sem mágica. Mas hoje é
diferente». In Anne Bishop, A Filha do Sangue, Jóias Negras, 1998,
Saída de Emergência, 2009, ISBN 978-972-883-977-2.
Cortesia de
SaídadeEmergência/JDACT