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«(…) Que diabo, soltou Gunther. Os mouros atacam-nos sem
descanso! Konrad também se admirava com isso, pois os besteiros precisavam de
um certo tempo para carregarem as suas armas e fazerem pontaria. Os mouros,
porém, pareciam incansáveis, apesar de se encontrarem sob o ataque dos
pedregulhos. As suas setas espetavam-se nas paliçadas e uma ou outra encontrava
mesmo o seu caminho por cima destas, provocando baixas entre os cruzados. Esperemos
que os ingleses alcancem depressa as muralhas
com a sua torre, disse Hadwig. Que saltem lá para dentro e acabem com o diabo
dos besteiros! Pois ainda não há sinal deles por sobre o adarve, retorquiu
Konrad. Preparavam-se para lançar mais um pedregulho, quando ouviram os gritos
dos seus companheiros que operavam outro dos cinco trabucos. Depressa
descobriram o motivo de tal arraial: a paliçada deles ardia! Mas que raio...,
começou Gunther, quando um dos homens gritou: os mouros disparam setas
incendiárias! Abrigai-vos!,berrou Konrad, ao ver várias dessas setas virem na
direcção deles.
Todos
se baixaram. A maioria dos projécteis espetou-se na paliçada, mas um deles
atingiu o trabuco, pegando-lhe o fogo. Dão-nos cabo dos engenhos, lamentou
Johann. Água, depressa, gritaram vários. Logo muitos se dirigiram com os seus
cantis ao rio, mas, como estes eram pequenos, alguns prontificaram-se a ir
buscar barris ao acampamento. E foi aqui que começou a verdadeira desgraça. Ao
terem que deixar os seus abrigos, os homens ficavam, mais do que nunca, à mercê das setas mouras. E os fogos
consumiam-lhes as fundas baleares num abrir e fechar de olhos. Temos que fugir
daqui, gritou Konrad. Nada podemos fazer para salvar os engenhos e ainda
morremos queimados. Os mouros, animados pelo êxito e livres do arremesso dos
pedregulhos, cada vez disparavam mais. Os cruzados fugiam debaixo da chuva de
setas. Konrad era dos mais rápidos, mas Johann ia ficando para trás. Mais
depressa rapaz, mexe-te! À sua volta caíam companheiros atingidos. Os feridos
gemiam, suplicavam ajuda, mas quem se atrevia a parar? Ao ver que Johann perdia
as forças, Konrad recuou e agarrou-o pela mão. Chegaram esgotados ao
acampamento, mas vivos.
À
medida que o mês de Agosto avançava, o moral dos cruzados ia baixando. A derrota
do primeiro ataque era difícil de digerir, pois provava que os mouros, ao
abrigo dos seus merlões, eram capazes de provocar o caos entre eles. As
máquinas de guerra, que tanto trabalho tinham dado a construir, arderam
totalmente, incluindo a torre dos ingleses, que nunca chegara às muralhas. O
terreno junto ao porto não permitia o rolamento de tão grande e pesada
construção. A torre atolara-se na areia e ali ardera. Pensara-se assim que as
minas seriam a melhor solução. Pelo menos, debaixo da terra, os homens estariam
ao abrigo das setas. Entre alemães, flamengos e ingleses, foram construídos
três túneis..., em vão! Os sitiados, adivinhando a direcção que as escavações
tomavam, construíam as chamadas contra-minas: novas galerias que iam de
encontro às dos cristãos, atacando os invasores lá dentro, ou fazendo ruir os
túneis, ao remover o travejamento.
Os
cruzados estavam perplexos com as baixas que o inimigo já provocara entre eles.
Alemães e flamengos organizaram um cemitério perto do acampamento e o mesmo fizeram
franceses e ingleses, no lado oeste. Também os portugueses não tinham sorte
junto à alcáçova. Ainda tentaram escalar os muros com a ajuda de escadas, mas
também este perigoso empreendimento falhou. Os soldados atingiam o cimo dos
muros individualmente e o inimigo logo os trespassava com as suas armas, além
de que provocava a queda das escadas através de forquilhas, fazendo com que um
bom número de homens rolasse desamparado pela encosta rochosa e abrupta, de
quase trezentos pés de altura. Os portugueses achavam agora que talvez
compensasse tentar abrir a porta que ligava a alcáçova ao exterior e que se
situava perto da torre da cisterna do
castelo, no pano norte da muralha. Antes disso, porém, os muçulmanos teriam que
estar famintos e desmoralizados. Mas como conseguir isso, se os verdadeiros
desmoralizados eram os cristãos?
Em
fins de Agosto, a esperança foi regressando. Começaram-lhes a surgir fugitivos,
que se escapavam da cidade para se lhes oferecer como criados, a troco de
comida. Diziam já haver fome em Lusbuna, as gentes sem recursos tinham começado
a comer cães e gatos. Os cruzados mais ferozes, porém, em vez de aceitarem a
rendição e os serviços dos coitados, decepavam-lhes pés e mãos e devolviam-nos
à cidade, a fim de desmoralizarem a população. E já se faziam novos planos:
escavariam novos túneis, ingleses e franceses construiriam uma nova torre, mais
pequena, para não ser tão pesada, e novas fundas baleares. Se era verdade que
os sitiados já sentiam dificuldades em guarnecer as suas mesas, não se passava
fome nos acampamentos. O rio estava cheio de peixe, as reservas das matamorras
e dos alfolis ainda duravam e as mulheres moíam os grãos e faziam pão nas
aldeias. Os habitantes moçárabes que não tinham procurado protecção entre as
muralhas não se importavam que se usassem os seus moinhos e fornos». In Cristina
Torrão, A Cruz de Esmeraldas, Edição Ésquilo, 2009, ISBN 978-989-809-261-8.
Cortesia
de Ésquilo/JDACT