Cortesia
de wikipedia e jdact
Terreille
«(…)Olá! Lucivar voltou-se lentamente,
desenhando um círculo, os sentidos físicos alertas, a mente investigando a
origem daquele pensamento. A comunicação psíquica podia ser difundida a todos
numa determinada área, como gritar num quarto cheio de gente, ou restringida a
uma única categoria de Jóias, ou, mais ainda, a uma única mente. Aquele
pensamento parecia dirigido directamente a ele. Não existia nada ali para além
do que seria de esperar. O que quer que fosse, tinha desaparecido. Lucivar
balançou a cabeça. Estava ficando tão assustado como os plebeus, aqueles que,
qualquer que seja a raça, não fazem parte dos Sangue, com suas superstições
sobre o mal que espreita durante a noite. Olá! Lucivar girou sobre si próprio,
as asas negras abertas para manter o equilíbrio enquanto colocava os pés em
posição de combate. Sentiu-se ridículo
ao ver a menina que o fitava, de olhos arregalados. Não passava de uma coisinha
magra, com cerca de sete anos. Descrevê-la como comum seria bondade. Contudo,
mesmo ao luar, possuía olhos extraordinários, que faziam-no lembrar do céu ao
crepúsculo ou um lago profundo da montanha. Suas roupas eram de boa qualidade,
certamente melhores do que as que usaria um pedinte. Os cabelos louros tinham
cachos que indicavam carinho e cuidado, mesmo que parecessem ridículos no seu
rostinho pontiagudo. O que está fazendo aqui?, perguntou abruptamente.
Ela entrelaçou os dedos e encolheu os ombros. Eu..., ouvi. Queria
uma amiga. Me
ouviu? Lucivar olhou-a
fixamente. Mas como diabo o tinha ouvido? De facto, tinha transmitido esse
desejo para o exterior, mas por um fio Cinza-Ébano. Era o único Cinza-Ébano no
Reino de Terreille. A única Jóia mais escura que a sua era a Negra, e a única
pessoa que usava essa Jóia era
Daemon Sadi. A não ser... Não. Não podia ser. Nesse preciso momento, os olhos
da menina saltaram de Lucivar para o homem morto no barco e de volta para ele. Preciso
ir, murmurou, afastando-se. Não, não precisa. Foi até ela sem fazer barulho,
como um caçador no encalço da sua
presa. A menina esquivou-se. Em segundos, a tinha apanhado, indiferente ao
barulho dos grilhões. Enrolando uma corrente em volta dela, envolveu-lhe a
cintura com um braço e levantou-a do chão, soltando um gemido quando ela lhe
bateu com o calcanhar no joelho. Ignorou as suas tentativas de arranhá-lo, e os
pontapés. Embora o machucassem, não tinham o mesmo efeito de um pontapé dado no
lugar certo. Quando começou a gritar, tapou-lhe a boca com uma das mãos. Na
mesma hora, ela cravou os dentes no seu dedo.
Lucivar engoliu um grito e praguejou baixinho. Caiu de
joelhos, levando a menina com ele. Não faça barulho, murmurou, furioso. Quer
que os guardas nos apanhem? Provavelmente era o que ela queria, e Lucivar
esperava que a menina lutasse com alento ainda maior sabendo que a ajuda estava
por perto. Em vez disso, ficou petrificada. Lucivar encostou a sua face à
cabeça da menina e inspirou. É uma menina danada, afirmou com serenidade,
lutando para manter o riso longe da voz. Porque o matou? Estaria imaginando
coisas ou a voz dela tinha mudado? Continuava parecendo a voz de uma menininha,
mas nela havia trovões, cavernas e céus de meia-noite. Estava sofrendo. Não
podia tê-lo levado a uma curandeira? As curandeiras não se interessam pelos
escravos, vociferou. Além do mais, as ratazanas deixaram pouco para curar. Encostou-a
com mais força ao seu peito, na esperança de que, ao aquecê-la com o seu corpo,
ela parasse de tremer. Parecia pálida demais contra a pele castanho-clara de
Lucivar, e ele sabia que não era simplesmente porque tinha a pele clara. Desculpa.
Isso foi cruel.
Quando a menina começou a lutar contra o seu abraço,
levantou os braços para que pudesse deslizar sob a corrente entre os seus
pulsos. Ela correu atabalhoadamente para longe do alcance de Lucivar, girou
sobre si mesma e caiu de joelhos. Analisaram-se. Qual é o seu nome?, perguntou
finalmente. Me chamo Yasi. Riu ao vê-la torcer o nariz. Não me culpe por isso.
Não fui eu que escolhi. É uma palavra ridícula para alguém como você. Qual é o
seu nome verdadeiro? Lucivar hesitou. Os eyrienos eram umas das raças de
longevidade prolongada. Ao longo de 1.700 anos, ele tinha adquirido a reputação
de ser depravado e violento. Se ela tivesse ouvido alguma das histórias sobre
ele... Respirou fundo e deixou sair lentamente: Lucivar Yaslana». In Anne
Bishop, A Filha do Sangue, Jóias Negras, 1998, Saída de Emergência, 2009, ISBN
978-972-883-977-2.
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