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e cortesia de wikipedia
«(…)
Apenas o Faraó e o vizir são excepção
à regra que acabo de vos recordar. E vós não sois nem um nem outro. Face ao
fisco, deveis inclinar-vos! Ide procurar o escriba do Túmulo, ele vos recordará
a lei. Sobek hesitou. Afinal, não era má solução; tornava-se evidente que o
inspector não conhecia Kenhir o Rabugento. Entendido, mas que os soldados não
se mexam uma polegada! Se tentarem franquear este fortim, os meus homens
repeli-los-ão sem considerações. Não aprecio muito esse tom, chefe Sobek. Os
vossos guardas são menos numerosos do que os meus soldados e tenho o direito
por mim. Se quereis tomar as coisas assim, não vou buscar ninguém e eu próprio
resolvo este assunto. Os guardas núbios não tiveram necessidade de qualquer
ordem para brandirem os cacetes. Mais jovens e mais rápidos do que os adversários,
não receavam um confronto a um contra dois ou três. Não nos enervemos,
recomendou o inspector do fisco. Eu estou aqui para fazer respeitar a ordem e
vós também. As minhas ordens são muito rigorosas e devo aplicá-las à letra. Ide
buscar o escriba do Túmulo! Sobretudo, não avanceis! Crispado, o funcionário
não retorquiu. Tinham-no prevenido que a sua missão não seria fácil, mas não
esperava tal resistência. E aquele grande negro metia-lhe medo; se se
desencadeasse a luta, não se arriscaria a ser ferido? Mais valia, para já,
renunciar ao uso da força e discutir com o escriba do Túmulo, colocando-o
perante o facto consumado. O chefe Sobek não se apressou para franquear os
fortins. Não seria aquela molhada de soldados que daria cabo dos seus homens;
mas depois daqueles viriam outros, mais numerosos e mais temíveis. Quem teria
desencadeado aquela intervenção a não ser Abri, o administrador-principal da
margem oeste? Sobek encontrava-o uma vez mais no seu caminho. O alto
funcionário tentara em vão suborná-lo e depois fazê-lo transferir, como se
quisesse afastar um guarda incómodo, capaz de o implicar no caso de assassínio
que não deixava de preocupar o núbio. Pela terceira vez, Abri lançava um ataque
contra ele e, mais directamente ainda, contra o Lugar de Verdade. Porque agiria
assim, a não ser porque era culpado, de uma maneira ou de outra, e queria
desembaraçar-se dos seus acusadores? A urgência daquele dia era o funcionário
do fisco. Talvez fosse impossível evitar um conflito, pois não seria suficiente
prevenir Kenhir. Ainda era preciso que o escriba do Túmulo aceitasse
deslocar-se.
Sobretudo, lembrou o escriba do Túmulo à
criada Niut a Vigorosa, não passes a tua maldita vassoura na minha biblioteca!
Eu encarrego-me de a limpar. A rapariga contentou-se em encolher os ombros.
Todas as manhãs era o mesmo sermão. Com sessenta e dois anos, mais rabugento do
que um velho bode solitário, Kenhir tinha um ar pesado e a corpulência de um
escriba que desempenhasse uma função importante, mas também uns olhos maliciosos
e vivos aos quais nada escapava. Graças a uma tisana de mandrágora, vencera a
insónia que o afectava desde a morte de Ramsés o Grande. Sabia que, durante
aquele período transitório, a pequena comunidade estava em perigo e que não
sobreviveria à decisão de um faraó hostil ao seu modo de vida, mas continuava
no entanto a desempenhar a sua função como se ela devesse durar eternamente. Antes
do mais, o abastecimento da confraria em água, garantido de duas maneiras: por
um lado, pelo poço muito profundo escavado a cerca de sessenta metros a nordeste
do templo de Hathor; por outro, pelas incessantes entregas dos condutores de
burros. O poço era uma espécie de obra-prima, com as paredes verticais talhadas
em ângulo recto, as lajes de calcário e as soberbas escadas que permitiam aos
ritualistas irem recolher água para as cerimónias, mas não bastava para os
gastos domésticos, tanto mais que a higiene era uma das principais preocupações
da aldeia». In Christian Jacq, A Pedra da Luz, A Mulher
Sábia, 1995(?), Bertrand Brasil, ISBN 978-852-860-772-7.
Cortesia
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