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«(…)
Tenho a certeza de que me ensinareis boas maneiras inglesas, afirmou. Quem
poderia ser melhor para me aconselhar?, voltou-se para o príncipe Artur e
fez-lhe uma reverência real. Meu senhor. Ele hesitou na vénia que lhe devolveu,
espantado com a serenidade que ela transmitia neste momento tão embaraçoso.
Procurou o presente dela no casaco, brincou com a pequena bolsa de jóias,
deixou-a cair, voltou a apanhá-la e finalmente entregou-lha, sentindo-se
ridículo. Ela pegou nas jóias e inclinou a cabeça em agradecimento, mas não as
abriu. Já haveis jantado. Vossa Graça? Comeremos aqui, respondeu ele
bruscamente. Já pedi o jantar. Posso então oferecer-vos uma bebida? Ou um lugar
para vos lavardes e trocardes de roupa antes de jantar?, observou a sua altura
e magreza de modo avaliador, desde a lama que salpicava o seu rosto pálido e
enrugado, às suas botas empoeiradas. Os ingleses formavam uma nação
prodigiosamente suja, nem sequer uma casa enorme como esta possuía um hammam adequado ou água
canalizada. Ou talvez, não queirais lavar-vos? O rei soltou uma gargalhada
áspera. Podeis pedir-me uma cerveja e ordenar que me enviem roupa lavada e água
quente ao melhor quarto, e trocarei de roupa antes do jantar, levantou uma mão.
Não tendes de interpretar isto como um cumprimento a vós. Eu lavo-me sempre
antes de jantar.
Artur viu-a morder o lábio inferior com pequenos dentes brancos como se
estivesse a controlar para não responder sarcasticamente. Sim. Vossa Graça, disse
suavemente. Como desejardes. Chamou a sua dama de companhia para perto de si e
transmitiu-lhe ordens em espanhol, em voz baixa e rápida. A mulher fez uma
reverência e conduziu o rei para fora da sala. A princesa voltou-se para o
príncipe Artur. Et tu?, perguntou
em latim. E vós? Eu? O quê?, gaguejou ele. Sentiu que ela estava a tentar não
suspirar de impaciência. Também gostaríeis de vos lavar e trocar de casaco? Eu
lavei-me, afirmou. Mal as palavras lhe saíram da boca, podia ter mordido a
própria língua. Parecia uma criança que estava a receber uma reprimenda de uma
ama, pensou. Eu lavei-me mesmo. O que ia fazer a seguir? Mostrar as mãos com as
palmas viradas para cima, para ela poder ver que era bem comportado? Então,
desejais beber uma caneca de vinho? Ou de cerveja? Catarina voltou-se para a
mesa, onde os empregados pousavam apressadamente canecas e jarros. Vinho.
Ela levantou um copo e um jarro e os dois brindaram uma vez e depois outra.
Espantado, apercebeu-se de que as mãos dela estavam a tremer. Ela verteu o
vinho rapidamente e estendeu-lho. O olhar dele passou da mão e da superfície
ligeiramente borbulhante do vinho para o seu rosto pálido. Pode verificar que
ela não lhe sorria. Não estava nada à vontade com ele. A indelicadeza do pai
fizera sobressair o orgulho nela, mas, sozinha com ele, não passava de uma
menina, alguns meses mais velha do que ele, mas ainda uma menina, a filha dos
dois mais admiráveis monarcas da Europa; mas não deixava de ser uma menina, com
as mãos a tremer. Não precisais de estar assustada, disse, muito calmamente, lamento
tudo o que aconteceu». In Philippa Gregory, Catarina de Aragão, A Princesa
Determinada, Livraria Civilização Editora, 2006, ISBN 978-972-262-455-8.
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