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«(…) Esta
noite, não, replicou Isabel. Desejava manter consigo durante o máximo de tempo
possível, os últimos vestígios de Robin Dudley. Kat dobrava com cuidado as peças
de roupa da rainha à medida que esta as despia com a sua ajuda. Isabel, coberta
apenas pela camisa de renda francesa, tremia de frio e chegou-se ao lume. Posso
falar-vos?, perguntou num tom glacial. Alguma vez vos pude impedir de o fazer,
Kat? A idosa mulher estendeu-lhe um robe de cetim amarelo. Isabel enfiou os
braços nas enormes mangas e aconchegou a si o forro de pele. Sentindo-se fraca,
deixou-se cair na cadeira de costas altas, erguendo os olhos para Kat que
baixara os seus, para fitar as
próprias mãos. Senhora, começou. Sois a minha vida e amo-vos como se fôsseis
carne da minha carne. É por isso que vos digo que há que pôr cobro às coisas
horríveis que soam por aí. Diz-se que vós e Robert Dudley vos comportais como
se fôsseis casados. E esta noite?, desviou o rosto incapaz de enfrentar o olhar
ardente de Isabel. Sei que é certo. Conheço esse homem desde menino, quando
brincava convosco, e conheci toda a sua família. Foram todos executados por traição à coroa. Robin Dudley é um súbdito
leal!, exclamou Isabel. É um homem com a ambição no sangue. Não posso dizer que
não vos ame, Isabel, mas como todos os outros, ama ainda mais o seu sonho de
poder. Não confio nele. É um homem casado!
Isabel desviou o olhar. Nessa tarde, esquecera por algum
tempo a terrível verdade, ou talvez na euforia do seu recente poder acreditasse
que o assunto não tinha importância. Porém, só tinham passado três meses da
coroação e, por causa de Robin, havia já rumores escandalosos a seu respeito.
Mesmo assim, dissera para consigo que não precisava preocupar-se com uma possível
gravidez, já que não sangrava com o ciclo lunar, como todas as outras mulheres.
E era a monarca reinante. Poderia fazer o que lhe aprouvesse. Não quereis
aperceber-vos do que salta à vista?, perguntou Kat. Estais tão cega pela
luxúria que não compreendeis as consequências dos vossos actos? Isabel, estais
a perder o respeito dos vossos conselheiros, da vossa corte, até dos vossos
súbditos.
Se vos retirarem o afecto, as alianças cairão por terra. Sabeis
tão bem como eu que existem outros aspirantes a este trono e se a vossa posição ficar debilitada, não duvideis que o sangue correrá. Sangue de inocentes, que cairá
sobre a vossa cabeça. Juro que se soubesse
que as coisas chegariam a este ponto, vos teria
estrangulado no berço! Isabel
estremeceu com a veemência de Kat. Porém, esta não tinha ainda terminado. Ajoelhou-se e tomou nas suas, as mãos da rainha. Casai-vos,
Isabel. Imploro-vos. Comprometei-vos com um pretendente
digno da vossa estirpe...,
estrangeiro, inglês, não importa.
Casai-vos. Proporcionai herdeiros Tudor, ou seremos invadidos pelo caos! Isabel
acariciou a mão manchada de Kat Ashley. Kat,
sei que falais em nome do vosso bom coração e verdadeira fidelidade. Mas escutai: nesta minha vida só tenho tido penas e atribulações. A felicidade tem sido tão pouca que mereço aquela que este homem me dá». In Robin
Maxwell, O Diário Secreto de Ana Bolena, Planeta Editora, colecção Tudor 1,
2002, ISBN 978-972-731-131-6.
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