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Sábado
à noite
«(…)
Sr. Fleming, ia agora mesmo para aí, a fim de mostrar a casa. Tenho uma pessoa
muito interessada. Está aqui mesmo a meu lado. Embora desencorajado acerca do
assunto, da casa, sabia que não poderia deixar passar uma pessoa interessada. Bom...,
quanto tempo precisa para chegar até aqui? Estou nas proximidades. Tenho andado
a mostrar à sra Degen várias casas da minha lista..., e de repente lembrei-me
de que a sua é precisamente aquilo que ela quer. Estamos aí dentro de um
minuto. Está bem. Mas tente demorar pouco tempo. Desligou, depois voltou a
levantar o auscultador e ligou para Bill Markson. Bill? Fala
Philip. Ia mesmo a sair a porta quando a mulher da agência me telefonou. Vem aí
com uma pessoa para ver a casa. Não demoro muito. Ora bolas, Phil, assim perdemos
a primeira corrida. Havemos de chegar a tempo. O Ted está aqui com um grande
palpite para a primeira corrida. Vê se te despachas. Prometo. Colocou o
auscultador no descanso e deitou uma olhadela crítica à sala de estar. Tudo
parecia estar em ordem. O
jogo de basebol de Danny estava aberto em cima da mesa de café. Reuniu
apressadamente os dados, o bloco de marcações, o tabuleiro de jogo, os
jogadores em miniatura e encafuou tudo dentro da caixa multicolorida. Começou a
dirigir-se ao quarto de Danny, mas de repente deteve-se e dirigiu-se às
estantes. Tirou dali dois livros: uma biografia ilustrada de Miro foi colocada
como que por acaso em cima do aparelho de alta-fidelidade e o Kafka foi
colocado em cima da mesinha de café. Este montar do cenário deixava-o sempre um
pouco envergonhado, mas justificava-se perante si mesmo dizendo-se que uma casa
devia ter um ar habitado e culto. Nunca se sabe quem vai aparecer e, às vezes,
estas pequeninas coisas contam. Estava no quarto de Danny a encafuar o jogo de
basebol numa prateleira já atafulhada de jogos e brinquedos quando tocou a
campainha da porta. Deteve-se o tempo bastante para pegar no cachimbo, enchê-lo
e acendê-lo rapidamente, de certo modo, um homem com um cachimbo aceso nunca
parece ansioso, e só então se dirigiu à porta.
O
rosto alongado, demasiado visto, da sra Burdock. Dá a impressão de que a mãe
dela se assustou ao ver um Modigliani, dissera ele a Helen quando a vira pela
primeira vez - saudou-o com o seu esforçado sorriso profissional. Atrás dela
vinham mais duas mulheres. Neste par, a que mais chamava a atenção era alta, ou
melhor, dava a impressão de ser alta e esbelta. O cabelo, cortado curto, à
maneira italiana, era escuro, em vincado contraste com os olhos verde pálido e
a brancura imaculada da pele. O nariz era pequeno, arrebitado, sardento. Lábios
generosos, de um vermelho-vivo. Por cima do ombro da sra Burdock, Philip pasmou
para aquele rosto jovem e sério, com a sensação de o ter visto algures, e logo
se lembrou onde: num livro acerca de Marie Duplessis, a jovem cortesã francesa
que inspirara a criação de Camille. Um fragmento da descrição de Marie
Duplessis atravessou-lhe o cérebro, e ele aferiu-a em relação à jovem que ali
estava: alta, muito esbelta, cabelos negros e uma pele branca e rosada. A
cabeça era pequena; tinha longos olhos esmaltados, como os de uma japonesa, mas
cintilantes e vivos. Os lábios eram mais vermelhos do que cerejas, e os dentes,
os mais lindos do mundo; parecia uma estatueta de porcelana de Dresda. Mal
ouviu a voz de ave da sra Burdock a apresentá-los: a sra Peggy Degen, o sr
Philip Fleming. E esta senhora é uma amiga da sra Degen...
Forçou-se
a olhar para a mulher mais madura que estava ao lado da sra Degen. Viu uma
massa confusa de cabelo castanho empilhado no topo de um rosto pesado, de
feições largas; o fato caro, feito por medida, não ficava bem naquele vulto
atarracado e imaginou que ela devia recortar todas as novas dietas para
emagrecer que apareciam nas revistas femininas. A sra Dora Stafford. Façam favor de entrar. Afastou-se e a sra Burdock
entrou, seguida pela sra Stafford e pela sra Degen. Quando esta última se
cruzou com ele, deixou atrás de si o aroma delicado de um bom perfume francês,
que evocou nele a imagem de uma estreita loja de vidros de Place Vendôme e de
paris de raparigas a passearem de mãos dadas sob as árvores dos Campos Elíseos.
Marie Duplessis. Fechou a porta. A Burdock deteve-se no meio da sala e fez um
gesto largo com o braço: então isto não é estupendo? É mesmo feito para receber
com estilo! Peggy Degen observava a sala em silêncio. Philip
não se mexia, mirava-a. Afinal, era mais baixa do que ele. E muito jovem. Uns
vinte e seis anos, talvez. Trazia um sweater negro, bastante justo, que lhe
deixava os ombros descobertos e lhe acentuava os seios pequenos mas firmemente
pontiagudos. Uma saia rodada de algodão castanho, com cinto largo,
sublinhava-lhe a cintura fina. Tinha uma postura magnífica. Ela virou-se de
repente e apanhou-o a observá-la. Foi muito amável da sua parte deixar-nos vir,
sr Fleming. Mas sei que está com pressa... Não..., não..., de modo nenhum... Teria
adiado para outro dia..., mas tenho de decidir este fim-de-semana». In
Irving Wallace, Pecados Conjugais, 1996, Livros do Brasil, Colecção dois
Mundos, 1996, ISBN 978-972-381-578-8.
Cortesia
de LdoBrasil/CdoisMundos/JDACT