domingo, 31 de março de 2019

Rosa Brava no 31. José Manuel Saraiva. «Como sabes, preciso apenas de mais algum tempo para me certificar se estou ou não repleta. Se estiver, Briolanja, não tenho outro remédio…»


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«(…) Durante alguns minutos uma e outra ficaram em silêncio. A ama manteve-se na mesma posição, estática, de pé, encostada à parede do quarto; por seu lado, Leonor Teles deixou-se cair de costas para trás e, já deitada sobre a cama, confessou: o pior de tudo é que julgo estar de barriga, porque me faltou a regra já lá vão cinco dias. Como sabes, preciso apenas de mais algum tempo para me certificar se estou ou não repleta. Se estiver, Briolanja, não tenho outro remédio senão parir a criança que vier aí. Ao acabar a confissão com lágrimas no rosto, a nova senhora de Pombeiro ordenou à ama que se fosse embora e a deixasse sozinha. Mas, quando Briolanja transpunha já a porta, Leonor pediu: vê o que podes fazer por mim, boa amiga. Passou-se uma semana, mas um dia, na intimidade de mais uma conversa, a bela esposa de João Lourenço Cunha revelou à ama que tinha entrado num período de excepção. A menorreia nunca mais tinha aparecido. O caso fora confidenciado a Briolanja poucas horas antes da chegada intempestiva ao solar de um mensageiro de Barcelos com uma carta de Maria Teles para a sua irmã Leonor Teles. Era uma carta simples, breve, uma mensagem por via da qual Maria, já então viúva de Álvaro Dias Souza, senhor de Mafra e da Ericeira, lhe anunciava que ia partir para Lisboa. Logo que recebeu a carta, a destinatária abriu-a à pressa e leu:

Minha dilecta irmã,
Senhora dona Leonor Teles Menezes e Senhora do Morgado de Pombeiro, Quero apenas informar-te de que a rogo do nosso muitoestimado tio, senhor João Afonso Telo, junto de Sua Alteza Real El-Rei Fernando I, partirei já no próximo domingo para Lisboa, a fim de me instalar no Paço de São Martinho, como açafata da Infanta dona Beatriz, irmã de Sua Alteza Real. Talvez a minha ida para Lisboa, ainda por cima com o fim de servir na corte, ajude a superar a tristeza da minha amarga viuvez. Espero que sejas feliz com o teu admirável e benquisto esposo, que para isso muito pedirei a Deus Nosso Senhor e aos Santos milagreiros. Aceita, minha adorada irmã, a estima e o amor da Maria Teles.

Quando acabou de ler em voz alta a mensagem na presença da aia, Leonor, que se encontrava sentada numa cadeira junto à janela dos seus aposentos, levantou-se de súbito, esmagou a carta entre os dedos com toda a força e gritou descontrolada: ela vai para Lisboa rezar a Deus e aos santos milagreiros pela minha felicidade e a do meu admirável e benquisto esposo? Não acredito nisto, Briolanja, não acredito que a minha estimada irmã, conhecendo a natureza do canalha com quem me casei, rogue por mim a Deus e peça aos santos o favor de me salvarem. Não preciso disso, mulher, dispenso rezas e favores de quem quer que seja, a quem quer que seja... Senhora, acudiu a ama num grito sinistro, crispada de horror e medo ao ouvir tanta blasfémia. A intenção de sua amada irmã é estimável. Ela diz isso apenas porque lhe quer bem, e como a senhora sabe ninguém pede ajuda a Deus Nosso Senhor se não estiver em conformidade com as suas divinas leis». In José Manuel Saraiva, Rosa Brava, Oficina do Livro, 2005, ISBN 978-989-555-113-2.
                                                                                                              
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