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«(…) Naturalmente, os factos
políticos e económicos se tocavam em muitos pontos, estabelecendo relações
complexas com as ideias. As mudanças no mapa do poder e a crescente competição
entre as potências alimentavam a corrida imperialista, dilatando assim o âmbito
geográfico em que ela se desenvolvia. Uma após a outra, as regiões periféricas
disponíveis para a expansão europeia cairiam sob o controle de potências ávidas
de mercados, de posições estratégicas ou simplesmente de glória e prestígio.
Esse movimento, que não se limitou aos protagonistas europeus, mas incluiu o
aporte de duas potências emergentes, os Estados Unidos e o Japão, tinha
começado no princípio dos anos oitenta, acelerou-se por volta de 1885 e teve o seu
maior desenvolvimento entre 1890 e 1906. Após esse ano, o processo tendeu a
diminuir de impulso, embora continuasse a oferecer motivos de fricção, como
ocorreria com a crise marroquina de 1911. Igualmente profundas eram as
transformações que ocorreriam na esfera militar. A explosão demográfica, os
novos padrões industriais e o desenvolvimento científico se uniriam para montar
um cenário que vinha amadurecendo desde meados do século mas que na sua última fase
adquiriu perfis singulares e impulso renovado. Independentemente da rapidez com
que se integravam nos corpos doutrinários dos Estados Maiores, as inovações no
campo dos armamentos, juntamente com a revolução das comunicações, anunciavam a
transformação radical da natureza da guerra, sua duração, intensidade e consequências
humanas e materiais. O fuzil de carregamento automático, o aperfeiçoamento da
metralhadora, a pólvora sem fumaça, com base na nitrocelulose granulada, a
dinamite e a cordite, os canhões retro-carregáveis de maior potência, alcance,
precisão e rapidez de tiro, os couraçados mais velozes, dotados com maior
potência de fogo, as minas marítimas, os submarinos e torpedos, os dirigíveis
e, pouco depois, os aviões eram as peças mais destacadas de arsenais
beneficiados por uma inovação tecnológica que parecia inesgotável e que
alimentava a corrida armamentista, em termos quantitativos e qualitativos, na
qual se criava uma complementação funcional entre o Estado e o mercado.
Ano após ano as grandes
empresas, dedicadas à produção dos instrumentos de guerra mais sofisticados,
produziam artefactos de maior potência mortífera, e se empenhavam em ampliar a
carteira da sua clientela, formada por estados. Para isso aproveitavam todas as
disputas, primeiramente açulando-as, directa ou indirectamente, depois vendendo
as suas armas aos dois grupos em conflito. Do lado dos Estados, a lógica de
igualar forças com rivais efectivos ou presumidos predominava sobre a prudência
orçamentária. Nenhum deles parecia disposto a permitir de bom grado que os
outros se tornassem mais fortes, e a adopção de armas mais sofisticadas exigia
dos rivais um novo esforço para não ficar em posição de inferioridade. A
construção de cada um estimulava a dos outros, e todos definiam a sua segurança
em termos da posse de uma superioridade de forças que dissuadisse qualquer
rival eventual. Na verdade, a paz armada não seria monopólio das grandes
potências europeias, estendendo-se também às regiões da periferia onde houvesse
países com litígios fronteiriços ou desejosos de ganhar poder ou influência». In Norman
Angell, A Grande Ilusão, Universidade de Brasília, 1987, tradução de Sérgio
Bath, Colecção Clássicos, ImprensaOE, EditoraUB, InstitutoPesquisaRI, São
Paulo, 2002, ISBN 857-060-089-5.
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