terça-feira, 9 de abril de 2019

A Grande Ilusão. Norman Angell. «Ano após ano as grandes empresas, dedicadas à produção dos instrumentos de guerra mais sofisticados, produziam artefactos de maior potência mortífera, e se empenhavam em ampliar…»

Cortesia de wikipedia

«(…) Naturalmente, os factos políticos e económicos se tocavam em muitos pontos, estabelecendo relações complexas com as ideias. As mudanças no mapa do poder e a crescente competição entre as potências alimentavam a corrida imperialista, dilatando assim o âmbito geográfico em que ela se desenvolvia. Uma após a outra, as regiões periféricas disponíveis para a expansão europeia cairiam sob o controle de potências ávidas de mercados, de posições estratégicas ou simplesmente de glória e prestígio. Esse movimento, que não se limitou aos protagonistas europeus, mas incluiu o aporte de duas potências emergentes, os Estados Unidos e o Japão, tinha começado no princípio dos anos oitenta, acelerou-se por volta de 1885 e teve o seu maior desenvolvimento entre 1890 e 1906. Após esse ano, o processo tendeu a diminuir de impulso, embora continuasse a oferecer motivos de fricção, como ocorreria com a crise marroquina de 1911. Igualmente profundas eram as transformações que ocorreriam na esfera militar. A explosão demográfica, os novos padrões industriais e o desenvolvimento científico se uniriam para montar um cenário que vinha amadurecendo desde meados do século mas que na sua última fase adquiriu perfis singulares e impulso renovado. Independentemente da rapidez com que se integravam nos corpos doutrinários dos Estados Maiores, as inovações no campo dos armamentos, juntamente com a revolução das comunicações, anunciavam a transformação radical da natureza da guerra, sua duração, intensidade e consequências humanas e materiais. O fuzil de carregamento automático, o aperfeiçoamento da metralhadora, a pólvora sem fumaça, com base na nitrocelulose granulada, a dinamite e a cordite, os canhões retro-carregáveis de maior potência, alcance, precisão e rapidez de tiro, os couraçados mais velozes, dotados com maior potência de fogo, as minas marítimas, os submarinos e torpedos, os dirigíveis e, pouco depois, os aviões eram as peças mais destacadas de arsenais beneficiados por uma inovação tecnológica que parecia inesgotável e que alimentava a corrida armamentista, em termos quantitativos e qualitativos, na qual se criava uma complementação funcional entre o Estado e o mercado.
Ano após ano as grandes empresas, dedicadas à produção dos instrumentos de guerra mais sofisticados, produziam artefactos de maior potência mortífera, e se empenhavam em ampliar a carteira da sua clientela, formada por estados. Para isso aproveitavam todas as disputas, primeiramente açulando-as, directa ou indirectamente, depois vendendo as suas armas aos dois grupos em conflito. Do lado dos Estados, a lógica de igualar forças com rivais efectivos ou presumidos predominava sobre a prudência orçamentária. Nenhum deles parecia disposto a permitir de bom grado que os outros se tornassem mais fortes, e a adopção de armas mais sofisticadas exigia dos rivais um novo esforço para não ficar em posição de inferioridade. A construção de cada um estimulava a dos outros, e todos definiam a sua segurança em termos da posse de uma superioridade de forças que dissuadisse qualquer rival eventual. Na verdade, a paz armada não seria monopólio das grandes potências europeias, estendendo-se também às regiões da periferia onde houvesse países com litígios fronteiriços ou desejosos de ganhar poder ou influência». In Norman Angell, A Grande Ilusão, Universidade de Brasília, 1987, tradução de Sérgio Bath, Colecção Clássicos, ImprensaOE, EditoraUB, InstitutoPesquisaRI, São Paulo, 2002, ISBN 857-060-089-5.

Cortesia de EUB/IPRI/JDACT