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Wojtyla. 13 de Maio de 1981
«(…) Estava em Roma havia três dias e esperava sair do país
ainda naquele 13 de Maio, depois de cumprida a tarefa encomendada. Não era de
fácil concretização, mas o desafio clamava dentro do seu coração jovem. Assim
que superasse o obstáculo com distinção, todos o olhariam com outros olhos, com
respeito e admiração, até com algum receio. Alude-se às pessoas integrantes do
seu ramo de actividade, obviamente. Os outros, os que formam a chamada
sociedade, jamais saberiam da sua existência ou da autoria material no acto que
iria mudar para sempre o mundo católico. Matar um papa não era algo de
propriamente novo, já outros o haviam feito no passado, o anterior, Albino
Luciani, foi disso prova, como bem sabia, mas nunca ninguém o fez aos olhos do
mundo em pleno dia, sem esperar pela calada da noite para depois pôr as culpas
num coração débil. Este homicídio era muito mais ousado. Matar e andar, no meio
de vinte mil pessoas, à luz das cinco da tarde.
Choveu um pouco durante a tarde, mas esta acabou por se render
definitivamente ao sol, que cobriu a cidade e o pequeno Estado do Vaticano com
um calor primaveril aprazível. A chuva seria, talvez, uma melhor aliada, uma
vez que encobriria os seus gestos no meio dos chapéus-de-chuva protectores. Por
outro lado, obrigaria a que João Paulo II fosse, ele próprio, acompanhado de um
assistente para o proteger com um chapéu-de-chuva. Em último caso, poderia até
optar por desfilar num carro fechado. Melhor assim, portanto. Ao sol, o
Universo conspirava a seu favor. O crime perfeito não é aquele que não parece
ser crime, mas aquele em que não se é apanhado. As ordens haviam sido precisas,
matar e andar, disparar e fingir, se fosse capturado, só podiam fazer uma coisa
por ele e não passava pela sua libertação. Mas nada de mal iria suceder. Pleno
de fé em si próprio, apertou ainda com mais força a coronha do revólver que
estava dentro do bolso do casaco. Mais quinze minutos...
A alguns quarteirões da Praça de
São Pedro, encontra-se outro admirável templo da Cristandade, a Basílica di
Santa Maria Maggiore, o mais antigo lugar de culto do mundo dedicado à Virgem. É
também conhecida como Basílica di Santa Maria della Neve, ou Liberiana, em
honra de Libério, papa do século IV, a quem a Virgem apareceu em sonhos e ao
qual, sob o testemunho do patrício romano João e sua esposa, pediu que se construísse
uma capela, em Roma, no local onde viesse a nevar por aqueles dias. Tal variação
climática veio a acontecer, de facto, em pleno Verão, na noite de 4 para 5 de Agosto
do ano 358, no monte Esquilino. Ora, sendo Libério o papa, esqueceu o pedido humilde
da Virgem e traçou um esboço na neve daquilo que viria a ser um enorme santuário.
Porém, só um século depois, no papado de Sixto III, logo após o Concílio de Éfeso,
aquele que confirmou a maternidade divina de Maria e veio tornar legal aquilo
que já se sabia há cinco séculos, a existência do Filho de Deus, concebido sem
pecado, é que foi construída a basílica, ainda maior do que previa o projecto
inicial do santuário de Libério que lhe foi consagrada. É este mesmo edifício
sacro que, mais restauração, menos restauração, se ergue nos dias actuais no
monte Esquilino e que todos os 5 de Agosto se vê inundado de pétalas brancas,
simbolizando a neve que nunca mais voltou a cair, literalmente, em pleno Verão.
A amada Maria, Senhora da Terra, acolhida sob o signo de Salus Populi Romani.
Às cinco da tarde daquele dia 13 de Maio, entrou nestes domínios
um purpurado que caminhava em passos largos, percorrendo a portentosa abside,
ignorando fiéis e turistas e, por acréscimo, os deslumbrantes mosaicos do frade
franciscano Jacopo Torriti, originários da época em que o frade viveu, o século
XIII, e que retratam a Coroação da Virgem. Tão-pouco prestou atenção às
ancestrais colunas de mármore atenienses que suportavam a nave e serviram de molde
a muitas outras estruturas idênticas do mundo católico ou à tumba onde Gian
Lorenzo Bernini descansa para a eternidade». In Luís Miguel Rocha, Bala Santa,
Cavalo de Ferro Editores, Paralelo 40, Lisboa, 2007, ISBN 978-989-813-400-4.
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