Cortesia
de wikipedia e jdact
Vaticano.
19 de Abril de 2005
«(…)
O tempo fora mais benevolente para aquele pedaço de informação do que para este
pedaço de corpo velho..., ou assim pensava Ben Isaac, amargurado. Que sabia ele
da jornada daquele documento? Por que mãos andara, por que buracos se enfiara,
com que modos fora tratado ao longo dos anos, dos séculos, dos milénios até
este dia 8 de Novembro, até ao dia 8 de Novembro de 1946 em que a sua expedição
o encontrara, juntamente com outras tantas coisas em Qumran? Que sabia ele
disso, a não ser que se encontrava na sua posse há mais de sessenta anos,
cinquenta dos quais naquele preciso local? Datava do século I d. C., segundo os
métodos científicos de datação mais avançados que o dinheiro podia comprar e,
nesse departamento, Ben Isaac não se podia queixar. O seu dinheiro podia
comprar tudo o que tivesse um preço. Era pequeno em relação aos outros
documentos dos restantes mostradores. Estava comido dos lados e chamuscado do
lado superior direito. Repousara perto do fogo em alguma noite gelada, ou
alguém o abeirara do lume com intenções traiçoeiras. O certo é que, independente
da razão, o brasido não chegou a prejudicar o texto que Ben Isaac conhecia de
cor e citava algumas vezes para si próprio, na língua em que fora escrito,
morta para quase todos, nas noites em que esperava pelo sono e que não eram
poucas.
Roma, Ano Quarto da era de Cláudio, Yeshua Ben Joseph, imigrante da Galileia,
anteriormente julgado e absolvido por Pôncio Pilatos, que se confirma ser o
proprietário de uma parcela de terreno fora das muralhas da cidade.
Não conseguia deixar de se
emocionar sempre que via aquele pedaço de pergaminho, com aquelas letras
escritas pela mão de algum tabelião romano sobre um homem que mudara o curso da
história de biliões e biliões de pessoas ao longo dos séculos. Jesus, o próprio,
filho de José, neto de Jacob, herdeiro do grande David, do sábio Salomão, do
patriarca Abraão, até onde registavam os epítomes históricos, os antigos e os
modernos, e que mencionavam estas pessoas de estirpe.
Premiu um pequeno botão verde,
abaixo do vidro, que emitiu um bip antes de deslizar e permitir que não
houvesse entraves entre Ben Isaac e o documento. Pegou nele com muito cuidado,
como se de um recém-nascido se tratasse, e chegou-o junto aos óculos. Que emoção.
Tocar num objecto que o próprio Jesus poderia ter tocado, dois milénios antes.
Não havia palavras. E, no entanto, Bem Isaac era um privilegiado. Podia fazê-lo
sempre que o entendesse, assim fosse a sua vontade. Se o Papa tivesse
conseguido meter as mãos naquele documento, qualquer Papa, depressa o rotularia
de sacrílego. Bem quiseram. Não o permitiria. Jamais. Comprovara que era autêntico,
sentia-o como verdadeiro. Tornou a colocar o pergaminho no seu lugar e deu
ordem ao vidro para deslizar de regresso ao seu posto de protecção. Passou ao
mostrador do meio que revelava um pergaminho bastante maior que o anterior
degradado em algumas partes, de tal maneira que não deixava perceber os
caracteres escritos. Mas o essencial conseguia ler-se, a mensagem principal que
lembrava todos os dias com um arrepio frio na espinha e não tinha coragem de a
proclamar em voz alta. A este não quis tocar, nunca quis. Era anterior ao outro
pergaminho em alguns anos, mas mais importante. Não se tratava de uma simples
autorização legal, mas de um evangelho que muito poucos conheciam a existência.
Somente ele e uma mão-cheia de estudiosos que teve de contratar para interpretá-lo,
sob um contrato rígido que incluía um pacto de silêncio. Nisso, Ben Isaac era
um falcão. Não facilitava um milímetro.
O último mostruário alojava dois
documentos em papel timbrado, com armas pontifícias na parte superior da folha,
a dominar o centro. Ambos os textos estavam em inglês e podiam ler-se
facilmente.
Aos 8
de Novembro de 1960, na Cidade do Vaticano. Delibero conceder a Ben Isaac,
natural de Israel, residente na cidade de Londres, a concessão sobre os
pergaminhos encontrados no Vale de Qumran por um período de 25 anos. Durante a
vigência deste acordo nenhuma das partes tornará público os achados referidos.
A Santa Sé não tentará, por via alguma, recuperar o espólio que considera seu
por direito. Findo o prazo definido caberá ao meu sucessor e aos sucessores de Bem
Isaac alcançar novo acordo.
Que
Deus nos acompanhe.
Johannes
P.P. XXIII
Ben
Isaac
(E mais três assinaturas ilegíveis)
In
Luís Miguel Rocha, A Mentira Sagrada, Porto Editora, 2011, ISBN
978-972-004-325-2.
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