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«(…)
Ah, ainda bem que o senhor chegou. Mr. Barrett. Houve dois telefonemas
interurbanos, urgentes, na última meia hora. Ambos da mesma pessoa. Um tal mr.
Philip Sanford, de Nova Iorque, ele queria que o senhor ligasse para lá assim
que chegasse. Deixou o número do escritório e o da residência. Vejamos. São
apenas três e vinte em Nova Iorque. Experimente o do escritório. Levantando-se
do sofá, despindo a camisa e atirando-a de lado, foi preparar um sumo de frutas
na pequena cozinha. Enquanto enchia o copo, pôs-se a pensar em Phil Sanford.
Estranhava duas coisas nos dois telefonemas consecutivos. Sanford passava muito
tempo sem comunicar com ele, e quando o chamava, poucas vezes por ano, era
sempre à noite. Além disso, as ligações eram sempre despreocupadas, sem pressa:
a necessidade de um amigo solitário de estabelecer contacto numa reafirmação de
amizade. O pobre Sanford contava com um mínimo de carinho da mulher e
absolutamente nenhum do pai tirânico. Mas os telefonemas desta manhã, pelo
visto, não tinham sido por cortesia social. Diziam-se urgentes. E agora Barrett
perguntava-se porquê. Tomando o sumo de frutas, Barrett pensou no velho amigo e
na amizade que os unia, amizade mais antiga, mas menos agradável do que a que
tinha por Abe Zelkin. Depois de Harvard, quando tanto ele como Philip Sanford
tinham ido para Nova Iorque, ele para se transformar num benemérito desiludido,
Sanford para se dedicar à famosa editora paterna, os dois ex-colegas de quarto
costumavam encontrar-se com regularidade. Não só simpatizava com Phil como lhe
devia muitos favores, por tudo que fizera durante o ano em que Barrett passara
dificuldades com a mãe. Mesmo após o casamento de Phil Sanford, Barrett continuou
a ver o amigo uma vez por semana, quando almoçavam juntos no Baroque Restaurant
ou iam assistir, ocasionalmente, a algum acontecimento desportivo no Madison
Square Garden. Mudando-se para a Califórnia, Barrett, desde então,
encontrara-se com Sanford apenas meia dúzia de vezes. Essas ocasiões não lhe
haviam causado nenhum prazer. Phil Sanford parecia sempre taciturno quando
falava sobre a mulher e os dois filhos. Mostrava-se desalentado com a Sanford
House, que o pai dirigia com mão de ferro.
Mas
a última vez que Barrett conversara com Phil Sanford, há apenas três meses,
mais ou menos, quando tivera de tomar o avião para Nova Iorque para tratar de
um negócio urgente e os dois tinham jantado juntos no Salão de Carvalho, no
Plaza, o encontro tornara-se mais alegre do que de costume. A vida de Sanford
mudara radicalmente nos meses que antecederam essa reunião com Barrett. Pela
primeira vez, viera-lhe uma oportunidade de provar o seu valor. Embora
estivesse cheio de angústias, estava também cheio de entusiasmo. Aquele gigante
da publicidade, Wesley R. Sanford, pai de Philip, fora vitimado por um ataque
súbito. Embora não houvesse sido violento, servira de advertência
suficientemente forte para o obrigar a aposentar-se. Aos olhos do colosso
grisalho abatido, a Sanford House, por tanto tempo descobridora e incentivadora
de escritores agraciados com o Prémio Nobel de literatura, com o Prémio
Pulitzer, o Prix Goncourt, era agora uma editora acéfala. Phil Sanford, o único
herdeiro, fora sempre tratado com condescendência, e até desdém, pelo poderoso
pai. Era como se o gigante que se fizera por si mesmo sempre houvesse sabido
que não poderia engendrar outro à própria imagem e semelhança. Considerava o
filho como um pigmeu, pusilânime e incompetente, um fracasso total. Essa fora a
Cruz de Phil, e o facto de ter sofrido semelhante tratamento durante tanto
tempo sem tomar a iniciativa de se estabelecer por conta própria acabara por
contagiar a esposa, que também passara a considerá-lo pusilânime e covarde.
O
rumor de que Wesley R. Sanford deixara um próspero negócio editorial, sem
herdeiro satisfatório, espalhou-se rapidamente pelos círculos editoriais até
chegar aos ouvidos de Wall Street. Grandes complexos de comunicações,
conglomerados em busca da diversificação dos seus valores mobiliários,
mostraram interesse em comprar a firma, com o seu valioso acervo de autores e
nome de prestígio. Restabelecendo-se apenas em parte do ataque, Wesley R.
Sanford, segundo se dizia, estava disposto a vendê-la. Foi então que o filho se
aproximou da cabeceira do pai e, pela primeira vez, implorou uma oportunidade.
Seja porque a doença privara o gigante convalescente de firmeza de ânimo ou
seja porque estivera à espera de que o herdeiro fizesse um apelo desse género e
ficara impressionado. Wesley R. Sanford prometeu, em termos ásperos, conceder a
oportunidade pedida. Philip Sanford recebeu dois anos de prazo para provar que
era editor capaz e independente. Se nesse período mantivesse a firma solvente,
conservando e expandindo o seu prestígio, ela continuaria pertencendo à
família, com Philip no cargo de presidente e eventual proprietário. No entanto,
se a sua orientação se manifestasse defeituosa, seria destituído da administração,
e a casa editora vendida por completo, inclusive o acervo existente, a uma das
indústrias de comunicações que a cobiçava». In Irving
Wallace, Os Sete Minutos, Coleção Dois Mundos, Livros do Brasil, 1988, ISBN
978-972-380-948-0.
Cortesia
de CDMundos/LdoBrasil/JDACT