Cortesia
de wukipedia e jdact
«O
objectivo deste trabalho foi desvendar que imagens projectam os jacentes
femininos de Duzentos, Trezentos e Quatrocentos das mulheres que os mandaram
esculpir ou foram assim representadas pelos seus maridos e filhos. Utilizámos
como fonte principal a indumentária desses jacentes por reconhecermos que ela é
um importante factor de construção de identidades sociais e de género. Não
desdenhámos, contudo, os elementos decorativos patentes nos respectivos
monumentos funerários, que exprimem igualmente crenças e valores individuais e
colectivos. Chegámos à conclusão que, com raras excepções, as damas que encomendaram
os seus próprios túmulos optaram por uma imagem de recato e devoção, enquanto
os familiares, sem esquecerem essa dimensão das suas vidas, preferiram fazer
uma representação das suas esposas, mães ou netas que exaltava a sua
feminilidade e elegância».
O
imaginário de além-túmulo e os rituais da morte na Idade Média Portuguesa
«Saber, pois, como é que o homem enfrenta a
morte e como procura, de alguma maneira, dominá-la, ilusoriamente ou não, tal
é, creio eu, uma das mais decisivas formas de compreender os últimos
fundamentos da mentalidade colectiva, em cada época ou em cada contexto
cultural»
«A
atitude desta época, face à morte, provém de crenças progressivamente
implantadas pela Igreja e de rituais religiosos criados, por vezes, a partir de
costumes ancestrais. Mesmo depois da introdução do cristianismo no território,
ainda se sentiam certas dificuldades em aceitar algumas práticas religiosas,
havendo memória de tradições pagãs. Evitar a morte súbita era uma das
principais preocupações na Idade Média, uma vez que ela impedia o homem
medieval de se preparar atempadamente para esse evento. Designava-se de boa
morte aquela que começava com a premonição de que o dia do óbito estaria a
chegar, dando tempo ao defunto para preparar essa viagem através da redacção do
testamento, de modo a deixar todas as preocupações terrenas solucionadas. Para
os cristãos, era muito importante resolver os seus problemas antes da morte,
sendo, por isso, a redacção do testamento algo de muito prezado na Idade Média.
A morte, propriamente dita, não era temida, o que se temia era a incerteza
quanto à hora da sua chegada e ao destino da alma, uma vez que se acreditava
que esta era imortal e a sua salvação era aquilo que mais importava. Essa
redacção era um acto individual realizado devido a diversos factores: idade
avançada, doença, guerra ou outros. Embora o testamento respeitasse à família
mais próxima do testador e ao pequeno grupo em que ele se inseria, a expressão
da derradeira vontade constituía um acto único e exclusivo de quem partia.
Os testamentos eram textos redigidos com o pensamento
constante e sempre presente da inevitabilidade da morte, e tinham como
finalidade, para além de transmitir os bens móveis e imóveis do testador,
assegurar a salvação da sua alma através de obras de caridade, orações, missas.
Este último registo das vontades expressas pelo homem medieval determinou, como
intermediário indispensável, o tabelião. A ele se ditavam todos os legados,
boas acções e missas que se pretendia fossem realizados, descrevendo
exactamente como e quando deveriam ser executados. Por vezes, ao tabelião eram
mesmo oferecidos pelo testador alguns dos seus bens. Outros bens materiais e o
próprio corpo eram doados a casas religiosas e igrejas, e a alma era entregue a
Deus, como sendo uma entidade independente. Nem todas as pessoas deixavam algum
documento a testar o que quer que fosse. Os indivíduos que não tinham bens de
raiz nem nada de importante a testar, não o faziam. Por outro lado, de acordo
com os distintos estratos sociais, era diferente o tipo de vontades que iriam
deixar expressas aquando da redacção do testamento. A doação de bens dependia
da ligação que o testador possuía com as instituições monásticas e a sua igreja
paroquial, como já foi referimos, mas também com certas pessoas próximas. Disso
é exemplo a aia de dona Isabel de Aragão, dona Vataça Lascaris, que no
seu primeiro testamento, redigido em 1323, em Santiago do Cacém, deixou a sua
alma a Santa Maria, para ser apresentada a Jesus Cristo, e o seu corpo e bens à
tutela de dona Isabel de Aragão, mostrando uma confiança total na sua senhora e
presenteando-a com diversos bens, desde peças de vestuário a um livro do
Génesis e um relicário em ouro, sinais da sua devoção». In Clara Ribeiro, A indumentária feminina nos jacentes portugueses dos
séculos XIII a XV, Mestrado em Arqueologia, Universidade de Lisboa, Faculdade
de Letras, 2014.
Cortesia
de ULisboa/Fletras/JDACT