Cortesia
de wikipedia e jdact
Vaticano.
19 de Abril de 2005
«(…) E depois as coisas foram
acontecendo com a naturalidade dos dias que passam. Mais encontros, mais
confabulações, mais beijos e outras coisas, de acordo com a agenda de cada um.
Francesco parecia, cada vez mais, cativo da transparência de Sarah. Não havia
capas ou papéis indefinidos. Era sempre ela, a Sarah, autêntica, ao telefone na
redacção, a fazer o pedido ao empregado no restaurante, aos beijos no quarto. Não
havia outra Sarah que não aquela, à frente dele, e ele adorava isso. Olha que não
me pareceram nada maus. Percebe-se por que são tão badalados, proferiu
Francesco, fazendo-a regressar à confortável suite do hotel romano. Andaste a lê-los?,
perguntou enunciando um falso ar de escândalo. Quem te autorizou? Precisava de
saber se ia apresentar uma anticatólica à minha mãe, respondeu Francesco, sério.
Mas já fiquei descansado. São livros sobre homens e não sobre religião,
explicou Sarah. Sim. Na verdade acho que a minha mãezinha concordará contigo em
alguns pontos. Podíamos dar um salto a Ascoli quando despachares a promoção,
que achas? Não te parece demasiado prematuro?, arguiu Sarah. A mim não. Leva o
tempo que precisares com a promoção do teu livro. Não te incomodarei. Assim que
estejas livre fazemos esse desvio pelo Nordeste.
É só uma conferência na La Feltrinelli da Piazza
della Torre Argentina, informou Sarah a pensar na proposta. Francesco
inclinou-se sobre ela. És uma herege muito apetecível. Queres ver se me levas
para a cama, meu canalha?, gozou Sarah com lascívia. Deixas? Francesco optou
pelo ar de menino inocente. Deixo..., disse Sarah. Não sei é se a tua mãezinha
deixa, atirou. Oh. Queres guerra? Iniciou-se uma batalha campal com almofadas e
ameaças e beijos fogosos. Vais pagá-las, brincou o italiano. És muito caro?,
provocou Sarah ainda mais. Quando as hostilidades foram suspensas e se deitaram
os dois arquejantes, de barriga para cima, suados, um sorriso invadia-lhes os lábios.
Amo-te, disparou Francesco. Semelhante a uma bala direccionada com precisão,
atingiu Sarah com uma força tal que a fez arrepiar e desistir do sorriso. O que
se fazia nestes casos? Não tinha resposta. Pelo menos não naquele momento. Mas
Francesco não era apenas um palmo de cara bonita, oco por dentro. Via longe e
mudou de assunto. Ou então não reparou no silêncio incómodo. Ainda não me
contaste quem é o bispo ou cardeal que te anda a contar essas coisas todas,
disse meio a gozar meio a sério. Uma mulher nunca conta, redarguiu pensativa. A
mente levara-a novamente a Rafael a quem já não via ou ouvia há meses.
Ben
Isaac estava a fazer tudo para salvar o seu casamento. Myriam não estava pelos
ajustes e dera-lhe um ultimato. O banco ou ela. Fora por essa razão que acedera
a fazer o cruzeiro quando o grupo financeiro que administrava enfrentava momentos
tão delicados. O filho deles, com o nome do pai, tomou conta dos negócios da
família durante um mês. Ben Júnior, de 27 anos, já há muito que desempenhava
funções na administração das empresas, mas sempre sob o olhar atento e
avalizador do pai. Desta vez era diferente. O pai estava enfiado num barco com
a mãe a devanear pelo Mediterrâneo. O Ben Júnior fazia um resumo nocturno de
tudo o que se passara durante o dia. A mãe tolerava essa conversa desde que não
excedesse um quarto de hora. Ben aproveitava para aconselhar o filho com a experiência
que acumulara ao longo dos anos. Não era bom marido, nem pai, mas na banca
ninguém o derrotava. Pensava que com a idade os negócios pesariam cada vez
menos na sua vida e as coisas modificar-se-iam, mas enganara-se. Os objectivos
iam-se alterando. Primeiro, queria o melhor para si, depois o melhor para
Myriam, depois... Magda, a seguir o melhor para o filho e, neste momento, queria
simplesmente deixar um legado magnífico, à prova de intempéries ou más decisões.
Quando morreres deixas cá tudo,
admoestara-o Myriam, alterada, numa das muitas discussões que tiveram, não levas nem um penny». In
Luís Miguel Rocha, A Mentira Sagrada, Porto Editora, 2011, ISBN
978-972-004-325-2.
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