Cortesia
de wikipedia e jdact
As
Periferias e o Centro. Redes de poder no reinado de Sancho II (1223-1248)
Com
a devida vénia a José Varandas
«(…) Mas, a prazo, a eficiência
demonstrada por algumas monarquias no controlo da sua economia e a dinâmica que
as novas legislações dão aos espaços e cidades em expansão, modificam o
tradicional sistema de obediência. Cada vez mais o Estado, através do mero
exercício do seu poder, substitui a Igreja nas relações com os governados.
Assistimos, em muitos países, à introdução de novos modelos de governação,
sustentados pela elaboração de um quadro legal com tendências mais generalistas
e por um corpo de oficiais régios que passam a controlar o normal exercício do
poder central em todas as regiões do reino. Modifica-se a velha ordem. As
esferas de influência regional que muitas vezes asfixiavam e limitavam o poder
dos monarcas em séculos anteriores são substituídas por uma nova noção de espaço
governado. O rei governa um regnum,
que estende de forma contínua até às fronteiras. O Centro assume-se cada vez
mais sobre as periferias através da Lei, que emanada da Cúria e movimentada por
oficiais e tabeliães desses reinos cristãos garante um controlo do espaço e das
actividades nele desenvolvidas cada vez mais apertado. Na Península Ibérica, os
reinos cristãos em expansão são um excelente laboratório para estas
modificações. As novas ideias, trazidas para a corte portuguesa por
eclesiásticos licenciados em universidades europeias serão decisivas no
desenvolvimento e aplicação das políticas centralizadoras de monarcas como
Afonso II, Sancho II e Afonso III.
O velho sistema medieval tinha
grande dificuldade em assistir impassível e em assimilar as novas
transformações que rodeavam o modelo de poder. Conhecemos o século XIII como o
período onde o Direito se desenvolveu na Europa medieval. Estava em causa um
novo conceito de poder, suportado por um quadro legislativo específico e bem
construído. Cada vez mais se tornava difícil a existência de perspectivas diferenciadas
sobre os sistemas políticos e a sua governação como acontecera anteriormente.
Não havia lugar para a tolerância e para a harmonização de pensamentos diferenciados.
Assim se passava com a Igreja, onde os pensamentos dissonantes eram catalogados
como heresias. Assim era com a laicização do Estado. A definição do Estado e
dos seus direitos, o novo modelo de organização política e social fazia com que
muitos fossem forçados a escolher entre serem leais ao Estado ou à Igreja. A
definição dos poderes do soberano e o desenvolvimento de modelos teóricos que
enquadravam uma nova realidade política forçavam naturalmente a essa escolha.
O retrato da Península Ibérica
durante a primeira dinastia portuguesa é bem vincado pela ameaça constante do
poder militar muçulmano, o que obrigou a um estado de guerra permanente, onde o
rei se torna no chefe militar incontestado, coordenador máximo da guerra contra
um inimigo comum, ao mesmo tempo que líder político cada vez mais enraizado e
determinante na acção política dentro do seu território. Senhor, por direito
próprio, do esforço da Reconquista,
acção fortalecedora do poder da Coroa, o rei português, contudo, viveu ao
longo de todo o século XIII, momentos difíceis, motivados por contestações,
mais ou menos explicitas, dos grupos nobiliárquicos e de outros sectores da
sociedade portuguesa, que desde o governo de Afonso I, se perfilam contra a
monarquia.
Quando
no ano de 1223, Sancho II, sobe ao trono, esta contestação estava, mais do que
nunca, activa. Do conjunto de fontes e informações, ideologicamente bem corporizadas,
que até nós chegaram, percebe-se a existência de uma forte crise política, institucional
e social ao longo de todo o seu reinado, resultado de opções mais centralizadoras
desenvolvidas por seu pai, Afonso II e que a incapacidade funcional de Sancho
II parece acentuar. Este estudo visa, sobretudo, um conhecimento mais profundo
e detalhado da dinâmica das relações políticas entre o Centro, o rei, o espaço
detentor do poder e as periferias que o compõem, complementam e estimulam.
Neste enquadramento interessa-nos o comportamento entre essas realidades, por
exemplo, entre a nobreza e o rei, nomeadamente a tipologia de funções curiais
que a primeira desempenhava, juntamente com uma sistemática observação sobre o
fenómeno de estatuto de património dos cargos administrativos realizado pela
aristocracia portuguesa». In José Varandas, Bonus Rex ou Rex Inutilis,
As Periferias e o Centro. Redes de poder no reinado de Sancho II (1223-1248), Ude
Lisboa, FdeLetras, DdeHistória, Tese de Doutoramento em História, História
Medieval, 2003, Wikipedia.
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