domingo, 14 de julho de 2019

Júlio Dinis. Poesias. Júlio Dinis (Joaquim Guilherme Gomes Coelho). «O poeta morreu! E o Sol e os astros que ele cantou, e a abóbada celeste de lutuosas trevas se não veste…»

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A meu irmão
[…]
«E então, ó Senhor, com a fé mais pura
Eu ansiarei pelo supremo instante
Em que, livre da humana desventura,
Demandar tua estância radiante.

Deixa que o amigo ao amigo só revele
Os segredos que a morte lhe confia,
Esta incerteza..., em vão a fé repele,
A dúvida cruel continuo a cria.

Porque negas, Senhor, ao peregrino
Que vai cumprindo só esta romagem,
Um raio ao menos do saber divino,
Que lhe brade na dúvida: Coragem!?

Porque não há de a lousa funerária
Erguer-se à voz saudosa da amizade,
Para falar à alma solitária
Que anela por saber toda a verdade?

Porquê?...Mas, Deus, perdoa!, eu creio!, eu creio!
No seu leito de morte o conheci:
Sim, nesse instante de tormentos cheio,
No peito a voz da crença bem ouvi!

E por isso prostrei-me de joelhos,
E os lábios murmuravam a oração,
E cri então no Deus dos Evangelhos,
E a dúvida deixou-me o coração.

Repousa, irmão, à sombra do cipreste;
Não repousar na terra é desventura.
Dorme no mundo e acorda à luz celeste,
Cruzando o limiar da sepultura».

A morte do poeta
«Calou-se a lira! E a criação nos coros
De menos uma voz aos céus revoa!
Na imensa harpa, em que o universo entoa
Seus cânticos, de menos uma corda!
Que foi?, que nota falta às harmonias?
Que foi?, que mão deixou quebrar a lira?
O poeta morreu, o canto expira,
Cessam seus hinos do sepulcro à borda!

Morreu o teu cantor, ó Armamento!
Teu sacerdote ardente, ó poesia!
Ó Deus, ó Pátria, a última agonia
Gelou a voz que hosanas vos sagrara!
Crente inspirado, os brados do entusiasmo
Não lhe esfriou dos homens a indiferença,
E a venenosa taça da descrença
Dos generosos lábios arrojara!

O poeta morreu! E o Sol e os astros
Que ele cantou, e a abóbada celeste
De lutuosas trevas se não veste;
E tu, ó Pátria, que ele amava tanto,
Tu dormes inda esse gelado sono?!
Não te acorda o seu último gemido?
Sente-lhe a morte, se não hás sentido
De animação e glória o eterno canto».
[…]
In Júlio Dinis (Joaquim Guilherme Gomes Coelho), Poesias, 1859, Publicações Europa-América, 2010, ISBN 978-972-104-585-9.

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