Cortesia
de wikipedia e jdact
A
menina de pés descalços, o sinete de cera vermelha. 1626
«(…) Um belo sorriso esparso, que
ele lhe devolveu como pôde, mas que não escapara a dele! A madame Vendôme, de
muito mau humor, nesse dia em que desempenhava o papel de chefe de família numa
cerimónia que não lhe agradava. Efectivamente, o seu esposo, o duque César, encontrava-se
retido no governo da Bretanha, onde se atarefava em criar dificuldades ao homem
que mais detestava no mundo: o cardeal Richelieu, ministro do rei Luís XIII.
Todavia, durante o regresso, ela nada disse. Quando, após uma noite agitada,
François desceu às cavalariças nas primeiras horas da alvorada, teve, no
entanto, a surpresa de encontrar o escudeiro de sua mãe, o cavaleiro de Raguenel,
que não parava de andar de um lado para o outro no meio das idas e voltas dos
moços de estrebaria e dos aguadeiros. François fez de conta que não o vira, mas
o empregado veio ter com ele na altura
em que chegava aos portões. Ora bem, meu senhor François, onde pretendeis
dirigir-vos a estas horas tão matinais? Dar um último passeio.
Perceval Raguenel era um homem
cortês, amável; contudo, François achou-o francamente antipático quando ele lhe
perguntou: e para onde contais ir, por favor? Acaso ignorais que temos de
regressar a Paris daqui a pouco? O que vos deixa sem tempo disponível. A não
ser que tenhais apenas a intenção de dar a volta ao parque... François ficou
todo corado: quer dizer, eu...
Já não conseguia encontrar as
palavras. O escudeiro veio em seu auxílio: e se fôsseis falar à senhora
duquesa? Ela espera-vos nos seus aposentos. A minha mãe? Mas, porquê? Penso que
vos dirá. Despachai-vos! Dentro de dez minutos ela irá à capela ler o livro de orações.
Como não descortinava maneira de agir de outro modo, François desatou a correr
e, alguns momentos mais tarde, uma camareira introduzia-o no quarto onde Françoise
Vendôme acabava de se pentear. Era o antigo quarto de Diane Poitiers, uma
divisão sumptuosa, mas não muito mais do que o eram as outras vinte e duas
daquele castelo quase real. As paredes e o tecto estavam pintados de cores
vivas, realçadas a ouro; vários tapetes cobriam o soalho precioso e tapeçarias
magníficas aqueciam quase tanto a atmosfera quanto o fogo que ardia na grande chaminé
de mármore multicolor. Nessa manhã de Março, o dia passava através das
travessas da janela onde se encastoavam vitrais pintados em camafeu cinzento
que, podendo dar a ilusão de um relevo e representando cenas do Antigo
Testamento, não deixavam filtrar nenhuma luz; no entanto, o fogo e as altas
velas de cera branca encarregavam-se disso.
Logo que transpôs a entrada, o
jovem fez uma saudação, avançando, em seguida, para a sua mãe, no meio do
bailado das acompanhantes que o olhavam sorrindo. Quanto a madame Vendôme, ela
não sorria. Ah! Eis-vos aqui! Julie, parece-me que isto está bem, acrescentou,
dirigindo-se à sua cabeleireira. Agora deixem-me e ide-vos todas embora. Depois,
quando a última aia transpôs a porta: pois bem, onde contáveis ir a estas horas
da manhã? Dar um último passeio, senhora, visto que dentro em breve
regressaremos a Paris. E para que bandas? Seria para o lado de Sorel? O pequeno
príncipe corou sem ousar responder, considerando a mãe com certa apreensão. Na
realidade, apesar do cuidadoso amor que lhes dispensava, sem o mostrar excessivamente,
Françoise Lorraine-Mercceur, duquesa de Vendôme pelo seu casamento, possuía o
dom de impressionar as suas três crianças bem mais que o pai delas, o duque
César, cujo carácter jovial e inclinação pelas brincadeiras frequentemente
jocosas e cuja despreocupação recordavam muitas vezes as suas origens da região
de Béarn (é uma região que corresponde à parte oriental do departamento dos
Pirenéus-Atlânticos Unida ao condado de Foix (1290), no século XV passa com
este para a casa de Navarra; o futuro rei Henrique IV, rei de Navarra em 1572,
foi o último conde de Béarn; Luís XIII anexá-la à Coroa em 1620), faziam dele
um interlocutor menos imponente. Isso era devido ao facto de ela se considerar,
sobretudo, como serviçal do Senhor, tendo sido educada pela mãe segundo
princípios cristãos de grande rigidez que lhe permitiam ostentar uma certa
simplicidade no meio do fausto em que a colocavam a sua linhagem, a grande
fortuna de que dispunha fora um dos mais belos partidos da Europa e o amor que
dedicava a um esposo cujos gostos eram opostos aos seus, salvo no que dizia
respeito ao esplendor e ao poder da casa.
César,
que era antes de tudo um homem de armas, gostava de despender vastas somas e de
levar uma bela vida, enquanto Françoise, afilhada do falecido bispo de Génova,
François Sale, amiga de Jeanne de Chantal e dessa prodigiosa personagem a quem
chamavam o senhor Vincent, interessava-se, sobretudo, pela salvação eterna dos
seus e pela prática de uma caridade que se estendia até bem longe até às
prostitutas parisienses das margens do Sena e às do bordel, obrigatoriamente
tolerado devido à presença de soldados em Anet. Deste modo, quando uma das crianças
devia responder por algum disparate cometido, tinha sempre a vaga impressão de comparecer
perante o tribunal do próprio Deus». In Juliette Benzoni, O Quarto da Rainha,
Segredo de Estado, 1997, Bertrand Editora, 2000, 2009, ISBN 972-251-097-5, ISBN
978-972-251-821-5.
Cortesia de BertrandE/JDACT