Cortesia
de wikipedia e jdact
«A realização de alguns estudos,
por um lado, sobre diversas figuras e famílias da cidade de Lisboa e, por
outro, acerca da composição social e organização de algumas das suas
instituições monástico-conventuais e colegiadas, mas também do cabido da Sé ou
da alcaidaria da cidade, muitos dos quais com uma importante componente
prosopográfica, tem permitido a recolha de elementos preciosos, embora, ainda
insuficientes, para a elaboração de uma imagem de conjunto das elites da Lisboa
Medieval. No entanto, parece-nos que estamos a trilhar o caminho correcto,
sendo já possível, graças a estes trabalhos, reconstituir vários percursos
biográficos e identificar algumas das linhagens que, através dos seus membros mais
destacados, se fizeram representar nos vários universos de prestígio da Lisboa Medieval,
nomeadamente nos órgãos concelhios da cidade, ponto de partida, mas também de convergência,
dos trajectos de muitas dessas figuras.
Ainda que a Lisboa Medieval tenha
sido, nos anos recentes, objecto da atenção de um número crescente de
investigadores, o estudo da administração municipal lisboeta, pelo contrário,
não tem suscitado o interesse da comunidade científica. Em consequência, a
imagem que hoje temos da organização concelhia lisboeta continua ainda profundamente
marcada pelos estudos clássicos de Marcelo Caetano e de Maria Teresa Campos
Rodrigues e que permanecem tão actuais como na altura da sua publicação, em
1951 e 1968, respectivamente. Nesse sentido, com este trabalho procuraremos
conhecer um pouco melhor os homens que davam corpo ao concelho lisboeta,
identificando personagens e os seus trajectos no seio desta instituição e, ao
mesmo tempo, articular os dados coligidos com uma análise da estrutura orgânica
e funcionamento dos órgãos municipais, entre 1179, data da outorga de foral à cidade,
e 1383, ano da morte do rei Fernando I.
Para isso a nossa pesquisa
incidiu, sobretudo, na documentação do Arquivo Municipal de Lisboa-Arquivo
Histórico (AML-AH). Mas se, por um lado, os dados recolhidos neste acervo permitiram
compreender, ainda que com inúmeras lacunas, a organização concelhia lisboeta, por
outro, revelaram-se manifestamente insatisfatórios para uma reconstituição, que
se pretendia tão detalhada quanto possível, dos elencos municipais. Tornava-se,
por isso, absolutamente necessário recorrer a outros conjuntos documentais
relativos a Lisboa, nomeadamente a alguns dos fundos provenientes de
instituições monástico-conventuais, que se encontram à guarda do Instituto dos
Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (IAN/TT). No entanto, o levantamento que
efectuámos nesta documentação recaíu, ainda que nem sempre de forma exaustiva,
apenas nos fundos de maior dimensão e onde, à partida, se encontraria um maior
número de informações. Nesse sentido, temos plena consciência que este trabalho
não é mais que uma primeira tentativa de abordagem de um tema, até agora, praticamente
inexplorado e que deixa ainda muito por desvendar. As pistas ficam, no entanto lançadas.
Mas o resultado que agora se
apresenta, é também fruto das referências e indicações que, gentilmente, nos
foram transmitidas pelos colegas e amigos Mestres Isabel Branquinho, Maria Filomena
Andrade, João Luís Inglês Fontes, José Augusto Oliveira, Luís Filipe Oliveira,
Luís Miguel Rêpas e, sobretudo Mário Sérgio Farelo, a quem, mais uma vez, muito
agradecemos. Por isso, este trabalho é, também, deles.
O
Concelho e os homens-bons
As primeiras referências às
instituições municipais de Lisboa, surgem expressas, ainda que de forma
lacónica, no foral de 1179, concedido à cidade por Afonso Henriques: et almotazaria sit de concilio et mittatur
almotaze per alcaidem et per concilium ville. Este concilium era um órgão restrito
onde se encontrava representada, exclusivamente, a aristocracia dos homens-bons
que, em assembleia, decidia os destinos da cidade e, anualmente, escolhia os
magistrados concelhios. Além de actuar como tribunal para resolver as contendas
entre os vizinhos, esta assembleia ocupava-se de todas as questões que dissessem
respeito à cidade e aos seus moradores, tais como a gestão das águas e dos
pastos comuns, para além de outras matérias que podiam ir do urbanismo aos
assuntos económicos. De acordo com Gérard Pradalié, o título de bonus homo terá sido, durante
largos anos um apanágio dos cavaleiros (trata-se, em princípio, de cavaleiros
não-nobres, cavaleiros-vilãos, isto é, dos estratos superiores do grupo a que
genericamente chamamos povo; este autor aventa mesmo a hipótese de, no século
XII, cavaleiros e bonishomines serem
sinónimos, de certa forma, à semelhança do que sugere José Mattoso: acumulação
de indícios acerca da superioridade social dos cavaleiros no âmbito do concelho
leva a admitir como normal a vigência de um costume tacitamente aceite de
reservar para eles as magistraturas (José Mattoso); todavia, não deixa de ser
possível que alguns desses cavaleiros fizessem parte dos estratos inferiores da
nobreza, pois não chegaram até nós quaisquer indicações que apontem para o
afastamento dos nobres da gestão concelhia; pelo contrário, as informações que
possuímos, ainda que datem de períodos posteriores, apontam para uma presença
nos órgãos municipais de figuras de clara extracção nobre), indivíduos cuja
fortuna, que assentava essencialmente em bens fundiários, obrigava, a partir de
um limite que para o caso de Lisboa não é conhecido, à posse de cavalo e de
armas». In Miguel Gomes Martins, O Concelho de Lisboa durante a Idade Média, Homens
e Organização Municipal (1179-1383), Cadernos do Arquivo Municipal de Lisboa,
1ª Série, nº 7.
Cortesia de AMLisboa/JDACT