Cortesia
de wikipedia e jdact
Com
a devida vénia a Mónica Maria Cabral
A
Ilha. O Mar. A Emigração
Os primeiros sinais de vitalidade temática
«(…) Segundo Urbano Bettencourt, o
movimento cultural da Horta é inseparável da pujança que o jornalismo aí
conhece no período em questão e […] uma forte consciência do papel da imprensa
como veículo de comunicação acaba por contagiar a escrita literária que, assim,
se torna fundamentalmente uma escrita-para-a-imprensa. As contínuas gerações de
prosadores desenvolvem sempre actividade grupal, sobretudo através da imprensa,
muito rica de colaborações literárias. Todos os periódicos da Horta, desde O Faialense (1851), O Incentivo (1857) e O Açoriano (1883), este,
sim, impulsionador de uma notória dinâmica literária e cultural ligada ao
quotidiano insular, marcam pelo lugar de destaque dado à cultura e às artes, oferecendo
traduções de ficcionistas ingleses, franceses e italianos. Nas últimas décadas
do século XIX e primeiras do século XX, há sempre pequenas revistas ou jornais
e almanaques literários, correspondentes a círculos de afinidade, que mostram
estar a par de tudo o que se passa na Europa culta. Mais do que meio de
entretenimento, a imprensa assume-se como um elemento formativo, contribuindo
para a educação cívica e estética do leitor, e como um veículo de contacto
directo entre o autor e os seus leitores (este processo de comunicação envolve
uma série de gestos que
passam pela divulgação de textos exógenos, de proveniência linguística
estrangeira ou não, pelo discurso avaliativo e crítico que ajuda a estabelecer
as coordenadas de um sistema, a enquadrar e a compreender a rede de conexões
que no seu interior se estabelecem; esse processo de comunicação passa
igualmente, e em idêntico grau de importância, pela criação literária própria,
que atesta a relação de proximidade de um autor com o seu espaço e tempo
imediatos e intensifica o grau de cumplicidade entre autor e leitor. Deste
modo, o jornal tornou-se o mais curto caminho para a comunicação, e
correspondia a uma necessidade de estabelecer contacto com o público). Esta
escrita-para-a-imprensa revela, no entanto, um carácter precário e
fragmentário, visto a obra dos escritores ficar dispersa por vários jornais e,
consequentemente, mais sujeita a um rápido esquecimento, situação que só a
edição em livro poderia evitar. Dado o consumo restrito e a fraca actividade
editorial, grande parte do material disperso conhece a publicação em livro só
muito mais tarde.
Os
textos literários publicados nos periódicos pertencem quer ao campo da poesia,
de dimensão lírica ou satírica, quer ao da prosa narrativa, em que o folhetim
ocupa um lugar de relevância. Todavia, caberia à narrativa, em especial ao
conto, um género cultivado preferencialmente, essa missão de ocupar-se mais
demorada e extensivamente do mundo insular e da complexidade das suas relações
humanas e em contexto social, por permitir uma representação mais concreta e
objectiva da realidade circundante. Assim, encontramos contos que reflectem a
vida rústica das gentes do mar e da terra, dos caçadores de baleias e dos
emigrantes, intimamente ligados ao universo físico e social das ilhas, em
particular do Faial e do Pico. Como se vê, estes textos já nos permitem
detectar a trilogia temática que atravessará toda a literatura açoriana: terra,
mar e emigração. Como referimos, o final do século XIX foi muito importante
para o desenvolvimento da narrativa açoriana, que, principalmente a partir
desta altura, combina o lado artístico e estético com a expressão do local e do
regional. Deste modo, começa a impor-se, no panorama cultural açoriano, uma
escrita artística, que revela a preocupação dos autores em explorar as
virtualidades estéticas e polissémicas do texto literário e que é, ao mesmo tempo,
uma escrita enraizada, ligada ao espaço dos próprios escritores e que serve a expressão
da condição insular. Fazem parte desta geração Ernesto Rebelo, Manuel Zerbone,
Florêncio Terra, Rodrigo Guerra, António Baptista e Nunes Rosa, nascidos entre
1842 e 1871. A escrita é marcada pela influência da época, em especial do neogarrettismo,
devido à presença, nos contos, de espaços nacionais imediatos e à atenção dada
às pequenas coisas do quotidiano próximo. Garrett defendeu a valorização do património
popular, recolhendo testemunhos, compilando-os e utilizando-os como matéria-prima
da sua produção literária, em especial de Viagens na Minha Terra, onde o escritor descreve paisagens,
monumentos e trata inúmeros aspectos relacionados com a terra e a sua gente.
Nessa geração, encontramos ainda a influência do conto rústico, de que Trindade
Coelho é, sem dúvida, o maior representante na literatura portuguesa. Este tipo
de conto, que, normalmente, assume a forma de narrativa curta com pouca
conflitualidade, apresenta uma visão idílica do campo e a exaltação de valores
como a simplicidade, a naturalidade e a autenticidade [(segundo Urbano
Bettencourt, é fácil ver como esta representação utópica da vida no campo e das
suas virtudes traduz a hipertrofia de um dos pólos da oposição homem natural /
homem social que, entroncando em Rousseau, atravessa o Romantismo e aqui se
projecta como a exaltação de tudo quanto de puro e instintivo possa subsistir
no homem. Este realismo sadio ou
naturalismo purificado, Camilo
Castelo Branco, tem como modelo preferencial Os Meus Amores (1891), de Trindade Coelho, que não
surgem, obviamente, em terreno virgem e encontram antecedentes nos contos de
Rodrigo Paganino, O Tio Joaquim
(1861)]». In Mónica Maria S. Cabral, O Conto Literário de Temática Açoriana, A
Ilha, O Mar, A Emigração, Universidade de Aveiro, Departamento de Línguas e
Culturas, Tese de Doutoramento, POPH/FSE, FCT, 2010, Wikipedia.
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