Paris
«(…) Por
outro lado a Bíblia ensina-nos que Maria, mãe de Jesus, era descendente de Jessé.
Ora a palavra hebraica Jes significa
o fogo, o sol, a divindade. Descender de Jessé é então ser da raça do sol, do
fogo. Como a matéria tem a sua origem no fogo
solar, como acabamos de ver, o próprio nome de Jesus aparece-nos
no seu esplendor original e celeste: fogo,
sol, Deus.
Enfim, na Ave Regina, a Virgem é chamada
propriamente Raiz (Salve, radix) para marcar que ela é o
princípio e o começo de Tudo. Salve,
raiz, pela qual a Luz brilhou sobre o mundo. Estas são as reflexões sugeridas
pelo expressivo baixo-relevo que acolhe o visitante sob o pórtico da basílica.
A Filosofia hermética, a velha Espagíria desejam-lhe as boas-vindas na igreja
gótica, o templo alquímico por excelência. Porque toda a catedral é apenas uma glorificação
muda mas figurada da antiga ciência de Hermes, de que soube, aliás, conservar
um dos antigos artesãos. Notre-Dame de Paris conserva efectivamente o seu
alquimista. Se, levados pela curiosidade, ou para entreter o ócio de um dia de
Verão, subirdes a escada helicoidal que dá acesso às partes altas do edifício,
percorrei devagar o caminho, escavado como um rego, no cimo da segunda galeria.
Chegados perto do eixo médio do majestoso edifício, no ângulo reentrante da
torre setentrional, encontrareis, no meio do cortejo de quimeras, o
impressionante relevo de um grande velho de pedra. É ele, é o alquimista de
Notre-Dame.
Coberto com um
barrete frígio, atributo do Adeptado (o barrete
frígio, que era usado pelos sans-culottes
e constituía uma espécie de talismã protector no meio das hecatombes
revolucionárias, era o sinal distintivo dos Iniciados; na análise que faz de
uma obra de Lombard, de Langres, intitulada Histoire des Jacobins, depuis 1789 jusqu'à
ce jour, ou État de l’Europe en Novembre 1820, o sábio Pierre Dujols escreve
que no grau de Epopta, nos Mistérios de Elêusis perguntava-se ao recipiendário se sentia a força, a vontade e a
abnegação necessárias para meter mãos à grande obra. Então colocavam-lhe
um barrete vermelho na cabeça, pronunciando esta fórmula: cobre-te com este barrete,
ele vale mais do que a coroa de um rei; estava-se longe de suspeitar que esta
espécie de chapéu, chamado Libéria nas Mitríacas, e que distinguia
outrora os escravos libertos, fosse um símbolo maçónico e o atributo supremo da
Iniciação. Não devemos, portanto, admirar-nos de encontrá-lo representado nas
nossas moedas e nos nossos monumentos públicos),
negligentemente colocado sobre a cabeleira de caracóis espessos, o sábio,
envergando a leve capa do laboratório, apoia com uma mão sobre a
balaustrada, enquanto com a outra acaricia a sua barba abundante e sedosa. Não
medita, observa. Os olhos estão fixos, o olhar tem urna estranha acuidade. Tudo
na atitude do Filósofo revela extrema emoção. A curvatura dos ombros, a projecção
para a frente da cabeça e do busto traindo, com efeito, a maior surpresa. Na
verdade, esta mão petrificada anima-se. Será ilusão? Dir-se-ia que a vemos
tremer... Que esplêndida figura a do velho mestre que perscruta, interroga,
ansioso e atento, a evolução da vida mineral, depois contempla, enfim,
deslumbrado, o prodígio que somente a sua fé lhe deixava entrever! E como são
pobres as estátuas modernas dos nossos sábios, quer fundidas em bronze, quer
talhadas no mármore, em confronto com esta imagem venerável de um realismo tão
poderoso na sua simplicidade!
O estilóbato da
fachada, que se desenvolve e se estende sob os três pórticos, é inteiramente
consagrado à nossa ciência; e é um verdadeiro regalo para os decifradores de enigmas
herméticos este conjunto de imagens tão curiosas como instrutivas. Ali vamos
encontrar o nome lapidar do tema dos Sábios; ali assistiremos à elaboração do
dissolvente secreto; ali seguiremos, a par e passo, o trabalho do Elixir, desde
a sua primeira calcinação até à sua última cozedura. Mas, a fim de conservar um
método neste estudo, observaremos sempre a ordem de sucessão das figuras, indo
do exterior para os batentes dos pórticos, tal como faria um crente que
entrasse no santuário. Nas faces laterais dos contrafortes que limitam o grande
portal encontraremos, à altura dos olhos, dois pequenos baixos-relevos
embutidos cada um numa ogiva. O do pilar esquerdo apresenta-nos o alquimista
descobrindo a Fonte misteriosa,
que o Trevisano descreve na Parábola
final do seu livro acerca da Filosofia
natural dos metais. O artista caminhou durante muito tempo: errou
pelas vias falsas e pelos caminhos duvidosos; mas a sua alegria explode
finalmente! O ribeiro de água viva corre
a seus pés; sai aos borbotões do velho
carvalho oco. O nosso Adepto atingiu o alvo. E assim, desdenhando o arco
e as flechas com que, a exemplo de Cadmo, trespassou o dragão, vê ondular o
límpido caudal cuja virtude dissolvente e a essência volátil lhe são
confirmadas por um pássaro pousado na árvore». In Fulcanelli, 1926, Le
Mystère des Cathédrales, 1964, O Mistério das Catedrais, Interpretação
Esotérica dos símbolos herméticos, Edições 70, 1975, Lisboa, Colecção Esfinge.
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