Cortesia
de wukipedia e jdact
«Thomas!
Sim, milorde. Thomas, o criado, aguardou com ar de interesse enquanto o homem
pálido que se encontrava atrás da grande secretária da biblioteca retirou um
pequeno maço de notas de banco. A caixa de aço de onde saíram estava cheia de
diversas notas de banco numa terrível confusão. Thomas, disse com ar ausente. Sim,
milorde. Põe este dinheiro naquele envelope, esse não, pateta, no cinzento.
Está endereçado? Sim, milorde. Cherr Lubitz, Frankforterstrasse, 35, Leipzig. Fecha-o,
vai aos correios e regista-o. Mr. Richard está no gabinete? Não, milorde, saiu
há uma hora. Harry Alford, o 18º conde de Chelford, suspirou. Estava já
avançado na casa dos trinta anos, tinha o rosto esguio e pálido de estudante, o
cabelo negro realçava mais a palidez da pele. A biblioteca onde trabalhava
ficava num compartimento de tecto alto, cujas paredes estavam divididas por um
corredor largo aonde se chegava através de uma escada circular metálica. Desde
o tecto até ao chão, as paredes estavam completamente cobertas de prateleiras,
apenas com uma excepção. Por cima da enorme lareira havia um quadro grande
representando uma bela mulher. Ninguém que conhecesse o conde poderia se enganar
quanto à relação existente entre ele e aquela beleza de olhos selvagens. Era a
mãe dele; tinha as mesmas feições delicadas, o mesmo cabelo escuro, asa de
corvo, olhos insondáveis. Lady Chelford fora a mais famosa debutante da sua
época e o seu fim trágico tinha sido a sensação do começo do século XX. Não
havia qualquer outro retrato seu na sala. Os olhos dele pousaram no quadro.
Para Harry Alford, Fossaway Manor, apesar de toda a sua beleza e encanto, não
era cofre suficientemente bom para tal jóia.
O criado, de sóbrio
terno preto e cabelos já brancos, inclinou-se. Mais nada, milorde? Mais nada,
respondeu o conde gravemente. No entanto, quando o homem se dirigia sem ruído
para a porta... Thomas! Ouvi-o falar num acidente quando passou sob a minha
janela com Filling, esta manhã?... Ele estava falando sobre o Padre Negro,
milorde. O rosto pálido contraiu-se numa careta. Mesmo à luz do dia, com os
raios de Sol passando pelas janelas e se reflectindo em arabescos púrpura,
azuis e ametista, a simples menção ao Padre Negro punha-lhe o coração aos
saltos. Qualquer homem ao meu serviço que fale sobre o Padre Negro será
imediatamente despedido. Diz isso aos teus colegas, Thomas. Um fantasma? Meu
Deus! Estão todos doidos? O seu rosto estava agora congestionado, pequenas
veias sobressaíam-lhe nas têmporas e, sob a onda de cólera, os seus olhos
negros pareciam desaparecer no rosto. Nem uma palavra, entendeu? É mentira! Uma
mentira desprezível para dizer que Fossaway está assombrada. É uma brincadeira.
E chega!
Acenou ao homem
para que desaparecesse e pôs-se a estudar o livro escrito a negro que chegara
da Alemanha naquela manhã. Uma vez fora da sala, Thomas pôde arriscar-se a
fazer uma careta. Foi só durante alguns segundos e depois retomou a seriedade.
Devia haver quase mil libras naquela caixa, e Thomas uma vez cumprira uma pena
de dez anos por um décimo daquela soma. Até mr. Richard Alford, que sabia a
maior parte das coisas, desconhecia este interessante facto. Thomas tinha uma
carta para escrever, pois mantinha uma lucrativa correspondência com alguém que
tinha um interesse especial em Fossaway Manor, mas primeiro deveria relatar a
conversa a mr. Glover, o mordomo. Não me interessa o que o conde diz (e porque
havia ele de o dizer a um criado e não a mim, não entendo); há um fantasma e já
muita gente o viu. Eu não passaria a pé em Elm Drive durante a noite nem por
cinquenta milhões de libras.
O homem abanou a
cabeça que o tempo já tornara grisalha. E o conde também acredita. Quem me dera
que ele tivesse casado. Sempre seria mais sensato. E aí víamo-nos livres de mr.
Blooming Alford, hem, mr. Glover. O mordomo fez um ruído com o nariz. Há os que
gostam e os que não gostam, disse o mordomo. Nunca trocamos uma palavra azeda.
Thomas, estão batendo à porta. Thomas apressou-se a abrir a enorme porta. Havia
uma moça à entrada. Era bonita de uma forma ousada, lábios vermelhos, olhos
brilhantes e vestia luxuosamente. Thomas reconheceu-a. Bom dia, miss Wenner...,
mas que surpresa! O conde está, Thomas? O criado contraiu os lábios em sinal de
dúvida: ele está, menina, mas receio não poder levá-la até lá. Não me culpe,
são ordens de mr. Alford. Mr. Alford, repetiu ela. Quer dizer que venho de
propósito de Londres e não posso ver lorde Chelford? Thomas continuou com a mão
na porta. Gostava da moça que, enquanto fora secretária do conde e, nunca se
dera ares de grande importância (o pecado imperdoável dos criados de dentro) e
sempre tivera um sorriso para o elemento mais insignificante do pessoal.
Tê-la-ia deixado entrar e pensava que Sua Senhoria ficaria satisfeito por
vê-la, mas no seu espírito apareceu-lhe a imagem de Dick Alford, um homem de
poucas falas, que não só era capaz de o pôr na rua, como também de o fazer aos
pontapés.
Tenho muita
pena, menina, mas, como sabe, ordens são ordens. Percebo, disse ela. Sou posta
fora do que poderia ter sido a minha casa, Thomas. Ele tentou mostrar-se
compreensivo e conseguiu fazer uma careta de
imbecilidade. Ela sorriu-lhe, apertou-lhe graciosamente a mão e afastou- se. Miss
Wenner, relatou Thomas, aquela que Alford despediu porque pensou que o conde
estava sendo carinhoso demais com ela... A campainha da biblioteca tocou
naquele momento e Thomas apressou-se a responder à chamada. - Quem era a
senhora que vi pela janela? Miss Wenner, milorde. Uma nuvem passou pelo rosto
de Harry Alford. Disse-lhe para entrar? Não, milorde, mr. Alford deu ordens... Sim,
claro. Tinha-me esquecido. Talvez tenha razão. Obrigado. Puxou o castiçal para
junto dos olhos, pois mesmo durante o dia trabalhava à luz artificial, tal era
a escuridão na biblioteca, e continuou a analisar o livro. Contudo, o seu espírito
não estava totalmente concentrado no trabalho. Levantou-se e caminhou na
biblioteca para cima e para baixo, as mãos cruzadas e
o rosto descaído. Deteve-se ante o retrato da sua mãe, suspirou e regressou à
mesa. Havia um parágrafo que recortara de um jornal londrino e leu-o pela
terceira vez, não muito desagradado pelo facto pouco habitual de se ver o objecto
de um comentário de jornal, no entanto irritado pelo assunto que provocara a
notícia». In Edgar Wallace, O Padre Negro, 1926/1927, Publicações
Europa-América, 1985, ISBN 978-972-101-690-3.
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