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«(…)
Perdida por entre o aroma a cardamomo, fumo e couro, pergunto:
o que te faz usar um brinco com um
diamante vermelho? Recebi-o em bruto das mãos do pai de um colega de quarto com
quem estudei na Sorbonne..., do homem que, com o tempo, acabou por me apresentar
aos diamantes vermelhos. Tratava-se de um gigante com um aperto de mão capaz de
nos quebrar os ossos, que usava gravatas de cores vivas, túnicas de seda, um chapéu
de chuva cujo cabo era uma cabeça de medusa. A sua energia e carisma infinitos conquistaram-lhe
amigos e conhecidos em todo o mundo. Porém, eram os olhos dele, uns olhos estreitos,
aquilo que nunca ninguém esquecia. Não pareciam normais. Era impossível fugir àquelas
pupilas dilatadas, ao seu olhar duro, pesado. Com o tempo, tornei-me
imprescindível aos seus negócios. A ponto de me ser reservado um quarto na sua
casa sempre que viajava em negócios. O quarto das freiras persas. Era o que
estava gravado numa placa. Nunca soube o que queria dizer, se bem que o achasse
estranho.
Certa noite, sem que o pai soubesse,
o meu colega convidou algumas pessoas. Podes não acreditar nisto Simone, mas, frente
aos meus olhos espantados, monsieur Jean Paul Dubois saudou os convidados do filho.
De seguida, retirou-se para um quarto, de lá voltando com uma escudela de barro.
Tal como se estivesse a mexer em seixos, levou a mão à escudela e tirou de dentro
dela vários diamantes vermelhos que distribuiu pelos convidados, um a cada um. Depois,
sem se mostrar minimamente contrafeito, mandou-os a todos embora. Naquela noite,
ao não me mandar embora como aos demais, fez com que eu me sentisse especial. Mordisquei
um bolo de arroz, fascinada com a descrição feita por Cyrus deste homem
imponente, se bem que monstruoso, com quem ele viajara pelo Congo, Rússia e Índia,
locais onde descobrira a importância de ser discreto num negócio arriscado.
Fui apresentado a homens influentes
e a clubes exclusivos. Conheci o sabor dos morangos, dos abacates, e do caviar beluga,
grande como pérolas. A minha honestidade conquistou a confiança dos
negociantes. A corrupção é comum no negócio dos diamantes. Este pode ser brutal
e perigoso. O dinheiro do comércio serve para financiar guerras e outras
atrocidades. Os indigentes são enviados de barco para as minas da África do Sul,
onde possuidores de minas desprovidos de escrúpulos os usam como escravos. Vê-los
é ficar com o coração partido. Nunca esquecerei o meu primeiro grande negócio. Dia
1 de Junho de 1898. A noite da inauguração do Hotel Ritz na Place Vendôme. Foi
o primeiro hotel a ter luz eléctrica em todos os quartos, também eles equipados
com casas de banho privativas e telefones. Eu, um joalheiro do Mahaleh, apresentei-me
a condes, príncipes e reis. Fui emboscado por amantes que exibiam pérolas, esmeraldas
e safiras comparáveis às da tua mãe e às da tua avó. Mas o mais incrível de tudo
prendia-se com a imensa quantidade de diamantes vermelhos que lá havia. Não
tenho a certeza, mas deve ter sido aí que me interroguei pela primeira vez sobre
o fluxo de diamantes vermelhos que abria caminho até ao círculo da elite.
Os
diamantes vermelhos, Simone, são um erro da natureza. Uma aberração rara... Um desvio
na sua estrutura química altera o modo como absorvem e reagem à luz, deste modo
dando a impressão de cor. Para mim, e tanto como a cor, a beleza deles reside no
facto de a diferença química capaz de transformar uma pedra tão dura ser ela
mesma mínima, até mesmo frágil. É raro ocorrer, mas quando o faz, o diamante
torna-se infinitamente mais valioso». In Dora Levy Mossanen, A Cortesã, 2005, tradução
de Lucília Rodrigues, Difel, 2006/2007, ISBN 978-972-290-860-3.
Cortesia
de Difel/JDACT