Com
a devida vénia ao Doutor Douglas Xavier Lima
«(…) Como ponto de partida, observa-se que a antiguidade e o
mundo moderno, tal como o medievo, também constituem temporalidades pouco
privilegiadas pelas pesquisas da área, ocupando apenas um lugar introdutório na
composição da História da Diplomacia e da formação das Relações Internacionais.
Lucien Bély, ao analisar o cenário académico francês, discute a desconfiança
lançada sobre aqueles que se inclinam a estudar as relações internacionais
entre os séculos XV e XVII, assim como o lugar modesto ocupado pelos estudos.
Acredita-se que tal facto ocorre por duas vias, tanto pela orientação das
relações internacionais para o cenário contemporâneo, como pelo afastamento dos
historiadores da temática. Acrescenta-se que o meio académico brasileiro,
caracterizado pelo exponencial crescimento da oferta de cursos de graduação e
pós-graduação em relações internacionais, tem contribuído para esse quadro que
concentra a área nos desafios da contemporaneidade. A fim de caracterizar os
caminhos que levaram às vias indicadas, passa-se a algumas considerações acerca
do desenvolvimento da produção na área, destacando, em primeiro lugar, a
constituição das Relações Internacionais. A formação do campo de estudos da
História Diplomática, área preocupada com a exposição e a explicação das
relações entre Estados mediante a sua expressão política, tem as suas raízes
nos séculos XVIII e XIX, o que não exclui a importância de obras anteriores
ligadas à delimitação dos grandes feitos externos e militares dos reinos. No
entanto, foi na sociedade oitocentista que se observou a ampliação dos
interesses de reconstituição das histórias nacionais. Esse processo também se
observa na História com a história metódica, pois a produção historiográfica do
período foi marcada pela construção do Estado-nação e pelo estabelecimento das
tradições nacionais. Paralelas à constituição da própria disciplina, tais
inclinações colocaram a área na busca de critérios de cientificidade, e nesse
processo o foco dos historiadores direccionou-se ao estabelecimento de factos,
cronologias e no levantamento de documentos seguros que pudessem compor a
história nacional, ou mesmo a recomposição de grandes batalhas, tratados e
estadistas.
Em meio a essas orientações e fundando-se no conhecimento
amplo de textos e fontes oficiais, assim como na publicação de colecções
documentais, o campo da História Diplomática consolidou-se com o pioneiro
trabalho de Gaëtan Flassan, Histoire
générale et raisonnée de la diplomatie française depuis la fondation de la
Monarchie jusqu' à la fin du règime de Louis XVI, publicado em sete
volumes no início do século XVIII. Do mesmo período destacam-se ainda as obras:
Foedera, conventiones, literae et
cujuscumque generis acta publica inter reges Anglae et alios quosvis
imperatores, reges, pontífices, principes, vel communitates, de
Thomas Rymer, publicada entre 1704 e 1717; e Recueil des principaux traités d’alliance, de paix, de trêve, de
neutralité, de commerce, de limites, l’Echange etc., conclus par les puissances
de l’Europe tant entre eles qu’avec les puissances et États dans d’autres
parties du monde depuis de 1761 jusqu’à présent, do jurista Georg
Friedrich von Martens, publicada entre 1791 e 1801. Não obstante, como
argumenta Jean Thobie, foi com a Revue
d'Histoire diplomatique, fundada em 1887 e ligada à Sociedade de
História Diplomática, que se formou a História Diplomática científica. No bojo
desse movimento se inserem as obras Quadro
Elementar das Relações Políticas e Diplomáticas de Portugal com as diversas
potencias do mundo desde o principio da Monarchia portugueza até os nossos dias,
de visconde de Santarém, redigida em Paris em meados do século XIX; Collecção dos tratados, convenções,
contratos e actos públicos celebrados entre a coroa de Portugal e as mais
potencias desde 1640 até o presente, coordenada por José Ferreira
Borges Castro; e Corpo diplomático
português contendo os actos e relações políticas e diplomáticas com as diversas
potências do mundo, desde o século XVI até os nossos dias, de Luís
Augusto Rebelo Silva, publicada em 15 volumes entre 1862 e 1936. Elas expressam
as preocupações historiográficas do período e permanecem um marco na academia
portuguesa, constituindo um relevante fundo documental para os medievalistas e
modernistas do século XXI. Porém, mesmo com a destacada importância essas obras
monumentais não deixaram de ser alvo de críticas coetâneas e, como sublinha
José Amado Mendes, historiadores portugueses como António Ferrão discutiam a
falta de explicações teórico-interpretativas e de abordagens temáticas em tais
obras». In Douglas M. Xavier Lima, A Diplomacia Portuguesa no Reinado de D.
Afonso V (1448-1481), Tese de Doutoramento História Medieval, Universidade
Federal Fluminense, Departamento de História, Niterói, 2016.
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