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e jdact
«(…) Já terminou a
hora da visita. Que desejam?, perguntou com maus modos. A identificação visual
que os rotulava como padres não influenciou o porteiro. Era o que mais via
todos os dias ali e por toda a cidade. Luka não perdeu tempo a tentar cair nas
graças dele. Enfiou Niklas pela abertura, desviando o homem de idade, e
seguiu-o sem pronunciar uma única palavra. Façam de conta que estão em vossa
casa, resmungou o porteiro. Atropelem-me à vontade que eu não sou filho de
Deus. A idade não lhe retirara o sarcasmo. Luka e Niklas não prestaram grande
atenção ao local escolhido por Puccini para protagonizar o primeiro acto da
ópera Tosca, embora nunca
ali tivesse sido apresentada, ou pelos Piccolomini para albergar dois
antepassados, Pio II e III, para a eternidade. Nem sequer admiraram a segunda
maior cúpula do mundo, projectada por Carlos Maderno, o mesmo que fora nomeado
arquitecto principal da Basílica de São Pedro, a pouco mais de dois quilómetros
dali. Tinham outras prioridades. Encontraram-no na parte direita do transepto,
joelhos dobrados, mãos sobre o rosto, lábios a sibilar uma ladainha silenciosa ou
um pedido pessoal a San Andrea Avellino, o protector das causas imprevistas, a
quem era dedicada a capela lateral. Se sentiu os passos deles não o demonstrou.
Prosseguiu a oração mais alguns minutos.
Luka tornou a pousar a mão
protectora sobre o ombro de Niklas e levou o dedo indicador aos lábios a pedir
silêncio. Do homem de idade que lhes abriu a porta não havia sinal. Talvez
estivesse a ver na televisão a sua amada AS Roma a jogar contra o Inter. Já
tivera a sua dose diária de crentes e turistas. Niklas estava tenso. Fitava o
homem que rezava. Estrutura semelhante à de Luka, porte atlético, talvez a
mesma idade. Uma batina de monsenhor com faixa violácea. Gostava de ser assim quando
tivesse a idade deles. Uma gota de suor formou-se num dos lados da testa. A mão
paternal de Luka funcionava, duplamente, como um calmante empurrado por uma
chávena de café forte. Por um lado, estava ciente de que o clérigo lhe queria
bem. Eram conterrâneos, falavam a mesma língua, o que era bom, ainda que Niklas
fosse de Munique e Luka de Nuremberga. Niklas nunca fora a Nuremberga e
detestava que Luka conhecesse Munique melhor do que ele. Por outro lado, era um
professor demasiado exigente e inflexível. Neste momento, preferia esse lado implacável
do Bávaro. Mas não o estava a encontrar.
Foste seguido?, perguntou o homem
que acabara de fazer o sinal da cruz e se libertava do peso oratório para se
virar para eles. Provavelmente, respondeu Luka, sabendo que a pergunta só podia
ser para si. Niklas estranhou a pergunta e ainda mais a resposta. O homem
levantou-se e fitou o jovem durante alguns instantes. Olhos frios e sedutores
ao mesmo tempo. Deus e o Demónio num só. Inspeccionou-o da ponta dos sapatos
aos fios louros do cabelo. Niklas sentia-se desconfortável. É ele?, perguntou o
homem a Luka. Niklas Grübbe, apresentou Luka, dando-lhe uma palmada nas costas
que o fez dar um passo em frente. Meu aluno no Colégio Germânico. Filho do… O
homem ergueu a mão impedindo que o alemão continuasse. O vozeirão de Luka tinha
menos força perante aquele homem. Era como se o desconhecido fosse superior.
Talvez fosse. Em alguns casos as patentes da igreja não estão tão à vista como
no exército.
Mas era outra coisa que lhe fazia
impressão. Uma certa vassalagem da parte do seu professor, pouco habitual,
dava-lhe voltas à barriga. Niklas mirava a batina negra do estranho que não se
apresentara. Aqueles olhos frios e sedutores continuavam a avaliá-lo como se se
tratasse de uma mercadoria. Conta-lhe, pediu Luka a Niklas. Aqui não, proferiu
o desconhecido. Aproximou-se dos dois alemães e olhou para a nave. Vazia. Havia
um corredor central, livre, ladeado por dezenas de bancos de plástico virados
para o altar-mor. Vamos arriscar. Sigam-me, indicou o estranho de batina. Não
era um pedido.
Niklas seguia entre Luka e o outro
padre que liderava. Não estava a gostar do rumo dos acontecimentos. Sentia-se
nervoso e com medo, e aqueles dois padres eram a razão do desconforto. Muito
secretismo, poucas palavras. Que se estava a passar? Tomazzo, chamou o padre
que ia à frente. Não houve resposta. Tomazzo, tornou a chamar. A mesma
resposta. Quem é o Tomazzo?, perguntou Luka. O velho simpático que nos abriu a
porta. Foi então que o viu, em cima, na tribuna, junto ao órgão de tubos.
Estático, debruçado sobre a balaustrada, inanimado. Por aqui, gritou o da
frente, empurrando Niklas com tanta força que este foi embater num
confessionário que estava encostado a uma coluna. Luka atirou-se para os bancos
do lado oposto. O jovem padre, completamente em pânico, tentou levantar-se, desorientado.
O estranho puxou-o para baixo e colou-o à parede. Escudavam-se na parede
lateral do confessionário». In Luís Miguel
Rocha, A Filha do Papa, Porto Editora, 2013, ISBN 978-972-004-411-2.
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