Cortesia
de wikipedia e jdact
Organização
de Eliane Robert Moraes
«(…)
Os exemplos seriam muitos, mas talvez esses bastem
para vermos como o erótico produz uma espécie de posição vicária que traz o
corpo à tona em variadas dicções (e, portanto, posições!), redesenhando esse
mesmo corpo. Ainda assim, é uma permanência do erótico e do poema que esses
movimentos dão a ver, como acontece no fluxo prosódico já por si libidinal do
verso liberado modernista, colocando num mesmo plano o mundo das letras e as
experimentações do corpo e que alcança momentos sublimes mesmo em autores
inesperados como João Cabral Melo Neto. Veja-se como nesse contexto ganham um
súbito alcance versos como os de As frutas de Pernambuco, que:
São ninfomaníacas, quase,
No dissolver-se, no entregar-se,
Sem nada guardar-se, de pu...
Mesmo nas ácidas, o açúcar,
é tão carnal, grosso, de corpo,
de corpo para o corpo, o coito,
que mais na cama que na mesa
seria cómodo querê-las.
Muito haveria o que falar, como muito haveria a acrescentar, além
dessas pequenas torções que apontamos da perspectiva retórica de Gregório
Mattos refractando o corpo como murmuração ou o corpo romântico como latência
de normatividades em conflito que vêm para o mesmo plano no modernismo.
Contudo, um dos efeitos mais fascinantes dessa antologia é nos fazer imaginar
outras antologias, mas eis a novidade que não sabíamos, eróticas! A sua
contemporaneidade diz respeito não à sua novidade, ao seu anacronismo, a uma
revelação ou à sua transgressão, como levemente nos fazem crer as rasuras em
forma de soneto da capa, mas sim ao modo como trabalha os limites (mesmo da
própria escolha antológica). Como tentei mostrar, a questão crucial dessa
reunião de poemas não diz respeito à antologia, mas sim à ontologia, isto é, à
variação contínua de corpos e poemas em dupla torção. E veja-se como a complexa
noção de torção ganha outra dinâmica nesse contexto.
A beleza desses
poemas, sobretudo num país com larga tradição patriarcal como o Brasil, é
desconstituir constantemente o lugar soberano de enunciação para colocar o eu
lírico numa posição que torna impossível a totalização da experiência. Resta
sempre a latência de outro corpo que o interpela e às vezes no limite da
violência que essa dependência gera como necessidade de controle. Ainda assim,
vê-se ao longo do livro a construção de um espaço particular de alteridade, de
diferença, de demanda por formas outras de afectos e de afecções, que nos
obrigaria a falar, por força de sua alteridade, em um outro lírico, isto é, o
espaço em que o eu é um outro (não será o outro do eu o próprio corpo que diz eu?)
e que transforma o corpo na relação com outros corpos. Erotizado, o corpo se
assume como relação, transformando o eu em uma posição vicária (sujeita a
muitas posições) e que pode ser ocupada por outros corpos, para deleite da
imaginação do leitor.
O alcance dessa Antologia
da poesia erótica brasileira em pleno século XXI talvez não
seja questionar o lugar do corpo nos poemas, mas sim perguntar quanto à necessidade
e aos modos de se construir esse corpo no campo simbólico: afinal, por que
escrever, por que colocar em palavras essa experiência? Em tempos de facebook, selfies, instagram, sites pornos e de
encontros marcados, o erotismo talvez esteja se reencontrando com as palavras,
não como um campo simbólico que totaliza, sublima e representa a experiência
sexual, mas como um conjunto de conexões parciais que tornam o poema um não
todo sempre dependente de um outro corpo que o leia erotizando-se e erotizando
também a relação com outros corpos. Num tempo em que o mundo das letras também
se profissionaliza (na imprensa, no mercado, na universidade), essa antologia
vem liberar certo ressentimento do corpo do qual o simbólico não pode dar
conta, senão permitindo a emergência de outros corpos na cena dúbia dos muitos
mundos que se cruzam na leitura desses poemas eróticos». In Roberto Zular, Resenha
de Antologia da Poesia Erótica Brasileira, Organização de Eliane Robert Moraes,
Revista Teresa de Literatura Brasileira, 2016, Wikipédia.
Cortesia de
TeresaRBLBrasileira/JDACT