«Almoster
e o seu convento carecem de uma monografia aprofundada e exaustiva que tome por
objecto a multiplicidade dos aspectos do quotidiano dos homens que, embora
vivendo no campo, projectam nos espaços urbanos circundantes de que Santarém é
o pólo dominante, anseios e paixões, projectos e desilusões que,
constantemente, transparecem aos olhos do investigador mais atento. Estrangulada
pelo peso da capital do Ribatejo e das poderosas e influentes ordens monásticas
que aí se instalaram, a história das donas de Almoster tem ficado esquecida. De
vez em quando, a poeira dos anos é levantada por alguém que, curioso do seu
nome e da sua (ainda visível) imponência arquitectónica, deixa que a caneta
registe uma fugaz descrição num qualquer roteiro que acabará por morrer nas
algibeiras dos escassos viandantes que por ali apressadamente passam. Mas o
torvilhão pouco dura e, quando o pó assenta, as velhas paredes tornam a
contemplar a mesma paisagem amiga e fiel com quem estaticamente, viajam para a
eternidade. Monumento arquitectónico relativamente abandonado deve à história
da arte um primeiro momento de brilho após tantos séculos de silêncio. Um recém-publicado
trabalho sobre a sua arquitectura e motivos decorativos, desde o momento da sua
fundação até ao princípio do seu declínio, levantou um pouco do véu que
encobria aquela instituição que ali, pacientemente, definhava.
Mas, por detrás da fachada estão
as gentes que a construíram, a habitaram, a desenvolveram e a perderam. O
conjunto monástico de Santa Maria de Almoster, testemunho da arquitectura
cisterciense no nosso País, precisa que sejam estudados os seus trabalhos e os
seus dias. Este nosso trabalho procura reconstituir os ritmos que, no primeiro
século após a sua fundação, marcaram o quotidiano dos homens e das mulheres que
dele estavam dependentes ou que o dominaram. Nascido e criado por elementos
ligados à estrutura nobiliárquica local, o seu suporte assenta na exploração
rural e na possibilidade de colocação de excedentes nos mercados urbanos.
Apesar de tardio na Ordem e obedecendo às novas regras de mercado e de
comportamento social que caracterizam o final dos tempos medievais, é a
importância do universo rural, sua componente fundamental, que determina e
condiciona, quase sempre, as estratégias de gestão e de crescimento daquela
casa feminina. Embora próximo de atractivos espaços urbanos, Almoster e o seu mosteiro
não fogem à realidade nacional, onde o peso do mundo rural representa o
principal sistema condicionador do desenvolvimento e das transformações que o
Portugal medieval vai conhecendo: um mundo de senhores e de camponeses, de
torres senhoriais e de aldeias.
Mas esta imagem, pretensamente
nítida, já nasceu desfocada, pois que nos propõe uma generalização que, embora
simpática, reduz a realidade do universo medieval aos ritmos das sementeiras e
colheitas, marcadas pelo trabalho do camponês e geridas pelo astro solar. O
Homem constitui o vector de abordagem fundamental da história rural,
especialmente aqueles que têm por principal tarefa a produção de bens agrícolas.
Mas importante é também a preocupação com os outros que, embora não trabalhando
directamente a terra, se servem dela e sobre ela constituem formas de poder, capazes
de dirigir e influenciar as vivências de toda a sociedade medieval. Produtores
e detentores dos meios de produção não convivem muitas vezes no mesmo espaço
geográfico, nem tão pouco pertencem aos mesmos estratos sociais. Desta forma,
torna-se importante analisar, com um enfoque cada vez mais preciso, a tipologia
de relações que se estabeleceram entre os dois grupos, quer cronológica, quer
geograficamente, buscando sempre uma perspectiva de construção de uma história
rural mais rigorosa e abrangente, definida por Garcia Cortázar em três ordens
de problemas: as formas de distribuição do poder; a criação de rendas a partir
de uma determinada produção e, finalmente, a evolução da paisagem agrária». In José
Manuel H Varandas, Monacato Feminino e Domínio Rural, O Património do Mosteiro
de Santa Maria de Almoster no século XIV, 1995, Faculdade de Letras,
Universidade de Lisboa, Wikipédia.
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