Cortesia
de wikipedia e jdact
«O
Mito é o nada que é tudo». In Fernando Pessoa
História concisa do mito de Portugal
«(…) As cicatrizes do
ideário do decadentismo cultural, político e económico subsistiram no conceito
do Portugal periférico, cauda da Europa, afastado por tragédia dos grandes
centros civilizacionais europeus, que gerou inclusive a dúvida sobre a nossa
existência de cultura, de literatura e de filosofia, que habita ainda hoje nas
consciências ofuscadas pela luz do mito europeu e, mais recentemente, dos
Estados Unidos da América. Tanto foi por vezes o opróbrio, que a própria língua
portuguesa, que no quadro linguístico global rivaliza em comunidade falante com
outras línguas (por exemplo, o alemão), recebeu o epíteto de mais literária do
que filosófica, o que também serviu, no século XX, à vexata quaestio da incapacidade portuguesa para a filosofia,
contra a qual se ergueram Afonso Botelho, Álvaro Ribeiro, António Quadros,
Francisco Gama Caeiro, João Ferreira, José Marinho, padre Manuel Antunes, Pinharanda
Gomes, entre outros. Levada pelos portugueses dos Descobrimentos a dois terços do
globo, a língua portuguesa é hoje falada nos cinco continentes, ascendendo a
mais de duzentos milhões o número dos seus falantes. Língua culta e
internacional, o português estabelece pontes intercontinentais e constitui o
cimento da nossa interculturalidade. A sua dispersão geográfica assinala o
multiculturalismo dos povos que a falam, pelo que é nela que Portugal situa a
memória do mapa-múndi da sua gesta imperial.
Não é de estranhar que em torno
da dimensão intercultural da língua tenha girado o imaginário mítico português
para ver nela a supervivência do império perdido, a justificar até a defesa de
uma missão de Portugal como mediador de diálogo entre os povos e nos conflitos
internacionais. Este Portugal medianeiro é, porventura, a imagem hodierna que
procura resgatar a grandeza do Portugal de outrora, como saída da situação
periférica em que as circunstâncias históricas do pós-25 de Abril o colocaram. Não
foi por acaso que Fernando Pessoa sublinhou a coincidência da pátria com a
língua portuguesa, pela boca do semi-heterónimo Bernardo Soares, e a relação
íntima da língua com o império, o quinto, ao evocar, na Mensagem, a figura de
Vieira, Imperador da Língua Portuguesa. Pessoa seria, aliás, o primeiro a ver a
dimensão linguística intercultural do mito de Portugal na forma como apontou
para a singular osmose do Quinto Império com a língua portuguesa.
O destino dessa osmose iria
confundir-se no paracletismo de muitas teses, sobretudo as de Agostinho da
Silva, que apontariam para as virtualidades sebásticas da própria língua, feita
autor e agente da perdida missão do Portugal do império, sobretudo quando este
morreu às portas do Portugal de Abril, abandonadas as colónias e para sempre
perdida a última luz vinda do império que o Estado Novo e a política de Salazar
tentaram ressuscitar em África. O Estado Novo foi, em política, em pedagogia e
em propaganda, uma poderosa máquina construtora de mitos e fazedora de heróis,
que muito bem uniu a história à ideologia, pondo a primeira, e por esta, ao
serviço da pedagogia, numa das mais bem conseguidas campanhas de mentalização
colectiva de que há memória na nossa cultura, que nem o ideário dos velhos
republicanos e o positivismo de um Teófilo Braga haviam conseguido para os esteios
nacionalistas e antimonárquicos da Primeira República.
A política do Estado Novo
conseguiu a uniformidade da cultura educativa, impôs às gerações uma visão
nacionalista homogénea da História de Portugal, organizou o teatro das
mentalidades em torno dos três grandes eixos de Deus, Pátria e Família,
redimensionou o passado nacional, explorando-lhe os valores simbólicos, as
memórias colectivas, os estratos míticos, e promoveu por eles a socialização
massiva e programática da autoconsciência nacional. Foi a maior
instrumentalização política do mito de Portugal, que superou o campo de toda a
historiografia ideológica anterior e que criou uma identidade cultural
subtraída à problematização e à crítica.
Sobrevindo o 25 de Abril, a
corrosão daquela identidade cultural pelo repúdio sistemático do recente
passado da ditadura deixou naturalmente os Portugueses a braços com a sua
própria imagem. Foi o tempo da destruição dos mitos e dos símbolos de Portugal,
aqueles que o regime anterior havia identificado com o seu próprio projecto de
quatro décadas de socialização política, e o tempo de uma crise identitária que
viria a dar os seus frutos. A revolução de Abril e a pátria nova prometida pelos
políticos e pelas novas ideologias comporiam uma nova imagem para o Portugal
pós-revolucionário: a do Portugal democrático e europeu». In Manuel Cândido Pimentel, O
Mito de Portugal nas suas Raízes Culturais, Wikipedia.
Cortesia de Wikipedia/JDACT