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[…]
IV
«Porque gastas, meu generoso
esbanjador,
Só contigo, a herança da tua
beleza?
Generosa, só dá a quem generoso
for,
Apenas empresta, nada nos dá a
natureza,
Assim, belo avarento, porque é
que abusas
Da beleza a ti dada para ser
transmitida?
Usurário sem lucros, porque é que
usas
Tão grandes somas, mas renuncias
à vida?
Por só contigo próprio negócios
consentires.
E teu doce eu que estás a
enganar;
Assim, ao dizer-te a Natureza que
é hora de te ires.
Que balanço aceitável podes tu
deixar?
Tua beleza não partilhada contigo
vai para a cova.
Mas
se o for, em teu herdeiro se renova.
V
«Essas horas que moldaram
gentilmente
O belo rosto onde todo o olhar se
demora.
Para o rosto serão um tirano
inclemente,
Desfeando o que tudo em beleza
excede agora.
Pois o Tempo, que não para,
conduz o Verão
Ao terrível Inverno que o reduz a
nada,
O frio congela a seiva, as folhas
cairão,
A neve esconde a beleza da terra
desolada.
Se a destilação do Verão não
fosse feita.
Prisioneira líquida num frasco de
vidro.
A acção da beleza seria desfeita.
A memória de tudo ter-se-ia
perdido,
Flores destiladas sobrevivem ao Inverno:
No
perfume que fica, seu ser vive eterno».
[…]
In
William Shakespeare, Os Sonetos, 1609, tradução de António Simões e M. Gomes
Torre, Relógio d’Água Editores, 2019, ISBN 978-989-641-926-4.
Cortesia
de Relógiod’ÁguaEditores/JDACT