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«(…) Fui eu quem começou a traição? Não fosse pelo que
fiz, você se teria mantido fiel a mim, Antoni? Cornear o glorioso conde
Czartoryski, e logo depois de nosso casamento, eu fui escandalosa, arrogante.
De nós dois, fui a primeira a trair. No entanto, você foi mais esperto que eu,
montando a armadilha. Chegou a incluir o francês na sua folha de pagamentos
durante algum tempo, não? Instruiu-o sobre como se aproximar, orquestrou nossos
encontros, comprava os presentes que ele me dava. Sim, escandalosa e arrogante,
uma perfeita trouxa eu fui. Tendo eu caído antes, você agora estava livre para viver
um casamento transformado em nobre vendeta, sem que a sua maculada e rica esposa
pudesse abrir a boca em protesto. Quem o culparia? Esperto como você era, fácil
como eu era, a verdade é que nosso comportamento não era nada menos que o clássico
em nosso meio, em que a noção de fidelidade é, há muito, um irreal disfarce, um
scherzo tocado em privado e, ao menos com a mesma frequência, em público. Nem
melhores nem piores que os outros, teríamos continuado a viver daquele modo,
envelhecido daquele modo e transmitido o nosso atormentado legado a Andzelika
como se fosse um poema. É assim que teríamos ficado. Mas você se apaixonou,
Antoni.
Andzelika tinha 2 anos quando você
assassinou a sua prostituta, depois enfiou a pistola na própria boca, sua linda
boca, e puxou o gatilho. Você pensou em Andzelika, levou-a em consideração? Sua
família sim, a sua e a minha, assim como os amigos e familiares dos pontos mais
longínquos das nossas linhagens. Achei estranho como houve pouco luto por você,
como o pesar de todos era por nós, por mim e Andzelika. Pobres anjos, chamavam-nos.
Cuidaremos de vocês, estaremos por perto, protegeremos vocês. Conforto. E desse
consolo veio a resolução. Uma dupla resolução. Primeiro, eu protegeria nossa
filha, minha filha. Sim, eu a criaria no meio do luxo, mas não a perderia para
a libertinagem de nossa classe. Segundo, eu me tornaria uma mulher melhor do
que jamais teria sido caso você tivesse vivido. E isso eu fiz, Antoni. De facto
sou mais admirável sem você. Mas, em minha terna diligência com Andzelika, em
minha, podemos chamar de vigilância?, para com ela, eu falhei. Quando, apenas
poucos dias após a chegada dele, ela me contou, naquela mesma voz meio
sussurrada e estridente com a qual ela articulou as primeiras palavras, você se
lembra de como ríamos ao ouvir uma voz desse tipo saindo daquela menina pequena
como uma flor?, que se apaixonara por Droutskoy, eu olhei dentro das sóbrias e
lacrimosas ameixas negras que são seus olhos e sorri, dizendo a ela, como se os
seus sentimentos fossem uma doença, que aquilo ia passar.
Ela não se lembrava do amor que
sentira pelo professor de violino, e depois pelo encantador garoto loiro que
trabalhara na nossa cozinha durante o verão anterior? Fui insensível à eloquência
da viva e delicada beleza dos seus 16 anos, ao seu poder de instigar e deleitar
um garoto prestes a tornar-se homem. Sim, e insensível também à violência, à
maravilha da paixão. Primeira paixão. Dela, dele. Abracei Andzelika, Antoni, beijei
a sua testa e prometi-lhe uma semana ou duas em Baden-Baden, ou ela preferiria Merano?
Sim, Merano, e depois alguns dias em Veneza, que tal isso para a adorada menina
da mãe? Boa noite, minha querida. Boa noite, matka, mãe. Ele achou o caminho
para a cama dela, ou ela para a dele. Por todas aquelas semanas, ou apenas uma
vez? Nunca perguntei. Um dia, de manhã, ele tinha ido embora. Nem Stas sabia para
onde fora.
Toussaint
encontrou-o sem muita dificuldade, as suas perguntas iluminando a origem do rapaz.
Origem medonha. Será que ele sabia? O garoto sabia quem éramos? Será que tinha
sido enviado pela família para vingar a mundana meretriz que era sua irmã? Schadenfreude.
Será que foi isso que o trouxe até nós? Agora está quase acabado. O garoto se
foi, Toussaint cuidou disso. E agora que a criatura não deve demorar a
desaparecer, Andzelika poderá continuar com a sua vida. Andzelika e eu
seguiremos em frente, incólumes. Como se nada houvesse ocorrido. Como se os
dois não houvessem nunca aparecido, nem o rapaz nem a criatura. Sem rastos». In Marlena de Blasi, Amandine,
2010, Editora Record, 2014, ISBN 978-850-140-017-8.
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