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«(…) Durante
a hora seguinte, dom Fradique tentou encorajá-la a aceitar o facto de que os seus
conselhos vinham do grande amor que lhe tinha. Doía-lhe vê-la tão profundamente
infeliz. Cisneros observava, evitando qualquer comentário. Joana deu por
terminada a entrevista. Estava resolvida, com uma determinação de ferro. Voltai
para junto da minha mãe e dizei-lhe que não volto a escutar nenhum sermão dos
seus mensageiros. Informai-a da minha intenção de regressar a Flandres.
Havei-vos esforçado ao máximo para realçar que necessito da sua autorização
para partir, portanto podeis dizer-lhe que não lhe darei paz até a ter.
Dizei-lhe que esperarei o tempo que for necessário, junto do portão do castelo.
Adeus, que Deus vos dê uma viagem rápida. Acompanhou-os ao portão e, enquanto
eles partiam, retomou a sua posição num dos postos de guarda, de forma que
vissem que falava sério. Agarrou-se com força às grades e ficou a olhar para o
que pensava ser a direcção de Flandres. Ninguém a demoveu. Os guardas
trouxeram-lhe uma braseira que lhe desse algum calor e alguém lhe colocou um
manto de peles sobre os ombros.
Permaneceu no seu
posto por cinco dias e noites terrivelmente frios, descansando raramente na
sala da guarda. No sexto dia, chegou o comboio de bagagens da mãe. Joana
reenviou-o para a cidade, afirmando enfaticamente que ninguém podia ficar no
castelo, quando tudo estava pronto para partir. Mais tarde, quando a liteira
que transportava a mãe entrou no pátio exterior, Joana não se mexeu, ignorando
a sua presença e olhando com determinação a paisagem campestre. Isabel coxeou
dolorosamente até junto dela, mas Joana não se virou para cumprimentar a mãe. Joana,
vem comigo para que possamos falar, chamou-a baixinho. Não, não me afasto nem
um passo de Flandres. Isso é absurdo. Vim explicar as razões das diversas
demoras, um desapontamento compreensível, e como pretendemos organizar a tua
viagem. A voz soava cansada e ofegante. Não me deixo enganar de novo. Dizei o
que tendes a dizer aqui mesmo, respondeu Joana, continuando a olhar para longe.
Não permitirei que me fales assim, nem pretendo receber ordens de ti. Esperarei
por ti na sala da guarda. Terás uns momentos, mas, se após esse tempo não
apareceres, presumirei que não desejas ouvir o que tenho a dizer e partirei. Com
relutância, Joana juntou-se a ela, permanecendo na soleira, suspeitosa e obstinada.
Isabel mirou aquela criatura desgrenhada e desleixada, o rosto sujo e manchado
de lágrimas. Era aquela a sua filha, a herdeira de toda a Espanha? Estou pronta
a ouvir as vossas razões para me manterdes separada de Felipe. Joana atirou as
palavras à mãe. Nunca procuramos... Mentiras, só mentiras, cortou ela. Então,
por que não me permitem partir? Por que ordenaram a Fonseca que me detivesse
aqui? Para proteger-te da inevitável vergonha que cairia sobre ti ao mostrar ao
mundo a tua extraordinária falta de respeito por nós e pelo nosso país.
Não me é demonstrado grande respeito, fazendo-me passar por
tola, com os portões fechados, rodeada da minha bagagem sem lugar para ir. Não
me interrompas. Temos de ter a certeza de que os tratados de paz são aceitáveis
por todos os envolvidos. Surpreende-me que consigais lembrar-vos de todos, uma
vez que andais sempre a mudá-los. E quem garante que não ireis quebrá-los? Já o
fizestes, traindo o meu Felipe, quando a tinta ainda mal secara no tratado de
paz que ele negociara para vós com a França. Ficou profundamente doente durante
semanas. Mantendes-me refém para impedir que ele faça novas alianças ou
tratados com a França, sei muito bem. Joana, escuta-me. Isabel ofegava. Tinha
esperança de que durante este período de espera acabasses por ver o teu papel
sob uma luz diferente. Agora chegamos ao cerne da questão. Pretendeis que eu
fique aqui. Quereis que eu governe a Espanha, enquanto Felipe governa as suas
terras. Não desejais que voltemos jamais a estar juntos. Permiti-me que vos
diga que não estou interessada no governo de nenhum país. O meu único desejo é
voltar para o meu marido. Retirou do corpete um papel dobrado. Lede-o, lede a
parte em que ele diz como me deseja, como precisa de mim.
Joana, não preciso
ler esta carta. Tenho a certeza de que ele te quer por perto. Certamente não
deseja que fiques aqui sozinha, quando a minha morte já não deve tardar. Essa
carta é o resultado do conselho dos seus conselheiros, que lhe explicaram o perigo
de tu seres coroada na sua ausência e com o vosso filho Fernando como herdeiro.
Como vos atreveis a manchar a carta de Felipe? Não vedes nada para além de coroas?
Nunca vedes pessoas com sentimentos? Ou será esperar demais? O vosso pai e eu
lutamos muito para construir esta nação. Foi a vontade de Deus levar João, o
nosso belo filho, que teria sido rei. Deus decidiu igualmente levar Isabel e o pequeno
Miguel. Recaiu sobre ti, Joana, ser a guardiã destas terras, e parte-nos o coração
pensar que possam tornar-se nada mais que um apêndice da Áustria porque tu não
te interessas em protegê-las. Oh, Joana, mentiria se dissesse que não tenho
rezado constantemente para que compreendas onde estão os teus interesses». In Linda
Carlino, That Other Joana, 2007, Joana, a Louca, Editorial Presença, Lisboa,
2009, ISBN 978-972-234-231-5.
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