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XXIII
«Vida
de tam longos males,
como
não cansa de ser!
que
eu canso já de viver,
e
o eco destes vales
cansa
de me responder.
As
ribeiras, em eu vê-las,
correm
mais do que é seu foro,
entrando
meu chorar nelas;
e
pois ajudam meu choro,
quero
só falar com elas.
XXIV
Companheiras
do meu mal,
águas
que d’alto correis,
onde
caís desigual,
parece
que me dizeis:
Porque
não choras, Crisfal?
Contar-vos
quero, amigas,
o
que esta noute sonhei,
com
o qual tal dor me dei,
que
minhas muitas fadigas
em
mais fadigas dobrei.
XXV
Despois
de ontem deixar
de
vos contar os meus males,
fui-me
cá baixo geitar
no
mais baixo destes vales,
antre
pesar e pesar;
onde,
despois que aos ventos
descobri
minhas paixões,
gastadas
muitas rezões,
mudei
os meus pensamentos
em
minhas contemplações.
XXVI
Contente
de descontente,
a
noute sendo calada,
como
é certo em quem sente,
não
ficou cousa passada
que
me não fosse presente.
Vindo-me
à memória dar,
quando
andava com o gado,
ter
com Maria sonhado,
fez-me
o dormir dessejar,
de
mim pouco dessejado».
[…]
In
Cristóvão Falcão, Crisfal, Coleção Textos Literários, Biblioteca Virtual do
Estudante de Língua Portuguesa, 2ª. Edição, Lisboa, 1962.
Cortesia de BVELPortuguesa/JDACT