Cortesia
de wikipedia e jdact
Via
Espessa
[…]
XVII
«Minha
sombra à minha frente desdobrada
Sombra de sua própria sombra?
Sim. Em sonhos via.
Prateado de guizos
O louco sussurava um refrão
erudito:
Ipseidade, Samsara. Ipseidade,
senhora.
E enfeixando energia, cintilando
Fez
de nós dois um único indivíduo».
Via
Vazia
I
«Eu sou Medo. Estertor.
Tu, meu Deus, um cavalo de ferro
Colado à futilidade das alturas.
II
Movo-me no charco. Entre o junco
e o lagarto.
E Tu, como Petrarca, deves cantar
tua Laura:
Le Stelle, il cielo, caldi
sospiri
E nem há lua esta noite. Nascidas
deste canto
Das palavras, só há borbulhas n’água.
III
Rato d’água, círculo no remoinho
da busca.
Que sou teu filho, Pai, me dizem.
Farejo.
Com a focinhez que me foi dada
encontro alguns dejectos. Depois,
estendido
Na pedra (que dizem ser teu
peito) , busco um sinal.
E de novo farejo. Há quanto
tempo. Há quanto tempo.
IV
À carnem aos pêlos, à garganta, à
língua
A tudo isso te assemelhas?
Mas e o depois da morte, Pai?
As centelhas que nascem da carne
sob a terra
O estar ali cintilando de treva.
À treva te assemelhas?
V
Dá-me a via do excesso. O
estupor.
Amputado de gestos, dá-me a eloquência
do Nada
Os ossos cintilando
Na orvalhada friez do teu
deserto.
VI
Que vertigem, Pai.
Pueril e devasso
No furor da tua víscera
Trituras a cada dia
Meu
exíguo espaço».
[…]
Hilda Hilst, Obra Poética Reunida (1950-1996), 1998, organização Costa
Duarte, Literatura brasileira século XX, Wikipédia.
Cortesia
de Wikipedia/JDACT